Os desafios da hidra

As hidras mostram que sua constância morfológica é um redemoinho de células modulado pelo diálogo de seu genoma com o ambiente. E nos desafiam novamente a repensar conceitos.

Em 1741, o naturalista suíço Abraham Trembley descreveu uma pequena criatura que habitava lagos e rios da Europa. Ela era verde, tinha forma de tubo e passava a maior parte do tempo agarrada ao substrato, como uma alga. Mas às vezes se soltava e caminhava lentamente para um novo local, dando graciosas cambalhotas. Tinha tentáculos delicados na parte de cima que variavam em número entre diferentes indivíduos, algo incomum para uma espécie de animal.

Trembley não tinha certeza se a criatura era uma planta ou um animal. Para responder essa dúvida, ele fez um experimento, método que só viria a ser comum em biologia mais de um século depois. Ele cortou a criatura ao meio e elaborou uma hipótese: se fosse um animal, morreria; se fosse uma planta, brotariam dois novos indivíduos. Após alguns dias, cada parte da criatura cortada ao meio gerou dois indivíduos completos (Figura 1). E quando cortada em quatro partes também. Não importando se eram pedaços grandes ou pequenos, cortes verticais ou horizontais, sempre se regeneravam organismos completos de cada fragmento.

Trembley concluiu que era uma planta. Mas sua conclusão ruiu quando observou um indivíduo capturar e comer uma presa. Tratava-se de um animal com capacidades extremas de regeneração. Linnaeus batizou o animal de Hydra, em referência ao mito grego de Hidra de Lerna, um monstro marinho capaz de regenerar uma nova cabeça cada vez que era cortada (foi finalmente derrotado por Héracles com a ajuda de um cauterizador).

Figura 1: Estátua de Héracles lutando contra Hidra de Lerna, no Louvre, em Paris (esquerda); Uma Hydra cortada em duas partes regenera dois indivíduos completos (esquerda).

A pequena Hydra de Trembley foi mais que uma curiosidade para ciência do século XVIII. Foi uma monstruosa anomalia para as teorias preformistas apoiadas na visão mecanicista do animal máquina. Para os preformistas, a forma do animal adulto preexistia miniaturizada em ovos ou espermatozoides. Não havia verdadeira geração da forma, mas simplesmente crescimento. A hidra desafiava essa concepção ao gerar novos indivíduos a partir de diferentes partes. Um século depois, o preformacionismo foi completamente abandonado e a visão de que a forma dos animais é construída durante o desenvolvimento embrionário se tornou um consenso.

As hidras são cnidários, como os corais, anêmonas e águas-vivas. Na biologia contemporânea, ela se tornou um organismo-modelo para estudar os mecanismos celulares e moleculares que controlam a capacidade de regenerar partes e órgãos. As células de seu corpo, ao contrário das nossas, estão todas constantemente se dividindo e substituindo as antigas, em uma contínua recriação corporal. Células que se dividem na região central se movem continuamente em direção às extremidades, seguindo gradientes moleculares de proteínas na cabeça e na base do corpo. Quando cortada ao meio, a hidra regenera uma cabeça no lado que tinha maior concentração da proteína produzida na região da cabeça, coordenando assim a reconstrução do eixo corporal.

A proteína secretada por células na região da cabeça foi chamada de WNT e ativa a produção de outras proteínas nas células vizinhas. O número variável de tentáculos é uma indicação da potência da atividade de WNT. Quando uma molécula sintética que ativa a via de WNT é colocada na água, as hidras desenvolvem tentáculos em todo o corpo (Figura 2).  Um estudo publicado esse mês por cientistas alemães mostrou que o gradiente molecular de WNT depende também de fatores abióticos e bióticos. Indivíduos criados a 12°C desenvolvem em média 40% menos tentáculos do que indivíduos criados a 18°C, e indivíduos que tiveram as bactérias simbióticas da pele eliminadas pela aplicação de antibióticos desenvolvem quatro vezes mais tentáculos. Mostraram ainda que temperatura e bactérias influenciam diretamente onde se expressam genes do genoma da hidra.

Figura 2: Expressão de WNT na região apical de uma Hydra (esquerda); Plasticidade de uma Hydra exposta a diferentes temperaturas.

A biologia moderna frequentemente descreve o desenvolvimento embrionário como um processo controlado autonomamente pelo genoma em direção a um estado adulto estável. O ambiente é visto como condição de fundo ou fonte de ruído de um processo que é controlado internamente. Mas as hidras mostram que sua constância morfológica é um redemoinho de células modulado pelo diálogo de seu genoma com o ambiente.  E nos desafiam novamente a repensar conceitos.

João Francisco Botelho (PUC de Chile)

Para saber mais

Gilbert, Scott F., Thomas CG Bosch, and Cristina Ledón-Rettig. “Eco-Evo-Devo: developmental symbiosis and developmental plasticity as evolutionary agents.” Nature Reviews Genetics 16.10 (2015): 611-622.

Taubenheim J, Willoweit-Ohl D, Knop M, Franzenburg S, He J, Bosch TCG, et al. Bacteria- and temperature-regulated peptides modulate β-catenin signaling in Hydra. Proc Natl Acad Sci U S A. 2020;117(35):21459-68.

Vogg, Matthias C., Brigitte Galliot, and Charisios D. Tsiairis. “Model systems for regeneration: Hydra.” Development 146.21 (2019).

As Mães da Genética

Seja no ensino médio ou em um curso superior, uma de nossas primeiras aulas de Genética começa com a história de Gregor Mendel, o pai da Genética. Todos sabemos da história do monge e seu jardim de ervilhas com sementes verdes ou amarelas, lisas ou rugosas. Sabemos que suas descobertas sobre a herança foram publicadas em 1866 no trabalho “Experimentos em hibridização de plantas”, mas que ele só foi reconhecido anos depois com a redescoberta de seus trabalhos por Hugo De Vries, Carl Correns e Erich von Tschermak. Foi por meio de uma citação em uma nota de rodapé no trabalho de Hugo De Vries que William Bateson tomou conhecimento dos experimentos de Mendel. Bateson ficara tão impressionado com o brilhante trabalho de Mendel, que a passou a atuar como seu apóstolo, traduzindo seus trabalhos do alemão para o inglês e levando a palavra de Mendel a todos os eventos científicos. Bateson criou a disciplina Genética em 1905, inventou seu nome e estabeleceu a terminologia a ser usada pelos geneticistas (fenótipo, genótipo, homozigoto, heterozigoto, alelomorfo, P, F1, F2, F3). O próximo passo foi criar uma conexão emocional das pessoas com a nova disciplina e aí entrou Gregor Mendel. Mendel era o herói que a Genética precisava, o gênio que não foi reconhecido no seu tempo, o Pai da Genética. Para mostrar que o pai da Genética estava, de fato, certo sobre a herança das características, Bateson precisava de mais exemplos, vindos de características de variados organismos que fossem capazes de mostrar a universalidade das Leis de Mendel. A partir de então a Genética deixa de ser uma disciplina órfã de mãe.      

Dirigindo a “escola” de Genética que ele mesmo criou em Cambridge, Bateson recrutou especialistas em Botânica, Zoologia e Fisiologia associadas ao Newnham College, Cambridge, para obter assistência crítica no avanço de seu programa de pesquisa sobre as recém-enunciadas Leis de Mendel. Dos 13 pesquisadores intimamente envolvidos na pesquisa de hereditariedade em Cambridge, sete eram mulheres associadas com o Newnham College. Havia poucas oportunidades para que as mulheres de Cambridge participassem de pesquisas de pós-graduação. A disposição de Bateson de aceitá-las em seu programa de pesquisa, portanto, proporcionou uma oportunidade notável para as mulheres em biologia. Entre 1902 e 1910, as mulheres de Cambridge realizaram uma série de cruzamentos em várias espécies de plantas e animais, cujos resultados foram cruciais para apoiar e estender as leis de hereditariedade de Mendel. Elas eram orientadas por Bateson em seus cruzamentos e publicaram artigos como co-autoras. Mas foi Edith Rebecca (Becky) Saunders sua primeira colaboradora independente. 

Edith Rebecca Saunders (1865-1945)

Rebecca Saunders teve uma bolsa de estudos para estudar Ciências Naturais, obtendo o equivalente a um diploma em Fisiologia em 1888. Na época era raro que se permitisse às mulheres a realização de seus exames de conclusão. Mesmo quando conseguiam, elas ainda não recebiam um diploma, mas um condescendente “Certificado de Conclusão”. Após a conclusão de seus estudos, ela passou a trabalhar em pesquisa no Laboratório de Biologia Balfour para Mulheres. Em 1899, Saunders tornou-se diretora do Balfour, cargo que ocupou até o laboratório fechar em 1914. Era extremamente raro para uma mulher ter sua posição acadêmica independente e suas próprias verbas para pesquisa.

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Figura 1. Edith Rebecca (Becky) Saunders em seu canteiro no jardim. Becky Saunders contribuiu para a descoberta de novos padrões de herança. Reproduzido de Richmond (2006).

Com um extenso conhecimento de botânica e uma sólida experiência em pesquisa, Saunders provou ser uma excelente colega de Bateson. O primeiro projeto de pesquisa conjunta de Saunders e Bateson foi feito em 1895, quando ela plantou linhagens de Biscutella laevigata com folhas glabras ou pubescentes (lisas ou “com pelos”), e depois as cruzou no ano seguinte. Em vez de ver plantas com um nível intermediário de pilosidade, Saunders só viu plantas peludas ou lisas – um exemplo perfeito de variação descontínua, Mendeliana. Obteve resultados que desviavam das proporções Mendelianas nos cruzamentos de outras plantas e animais, como a proporção das cores das flores e a proporção das quatro formas de crista de galinhas. Saunders descreveu a combinação de dois fatores independentes para a expressão de uma característica, explicando assim novas proporções de fenótipos na progênie como o 9:3:3:1 e 9:7. 

O evolucionista JBS Haldane sentiu-se particularmente desconfortável com a omissão da contribuição de Saunders para a Genética, que ele considerou de extrema importância, na história e nos livros. Em um obituário publicado em 29 de setembro, Haldane acrescentou seu próprio tributo a ela no qual afirmou: “É claro que ela e Bateson descobriram independentemente algumas das leis de Mendel antes que seu trabalho lhes fosse conhecido. Na verdade, ela deve ser considerada a “mãe” da genética vegetal britânica”.

Juntamente com seu trabalho de pesquisa feito com Bateson, Saunders estava ocupada ensinando o crescente número de mulheres estudantes de ciências que vinham para Cambridge. Outro nome importante que se juntou a eles foi Muriel Wheldale.

Muriel Wheldale Onslow (1880 –1932)

Muriel Wheldale ingressou no Newnham College no outono de 1900. Ela cursou Ciências Naturais e se especializou em Botânica. Assim como Saunders, Wheldale não pôde receber o seu diploma.  Cambridge passou a conceder o diplomas para mulheres apenas a partir 1948. Wheldale assitiu o curso de Bateson sobre variação e hereditariedade e se interessou pelos fenômenos Mendelianos. Após a  conclusão de seus estudos, ela recebeu a Bolsa de Pesquisa Bathurst de Newnham, criada para permitir que estudantes de ciências promissores realizassem pesquisas de Pós-graduação. Ela iniciou seu trabalho sobre a de hereditariedade de cores de flores na erva-bezerra, Antirrhinum sp. sob a supervisão de Saunders e Bateson. Este trabalho não apenas resultou em uma série de publicações sobre a genética da coloração das plantas, mas também levou Wheldale a se aprofundar em um estudo bioquímico de pigmentos e, eventualmente, uma carreira acadêmica em Cambridge.

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Figura 2. Muriel Wheldale Onslow. Wheldale contribuiu nas décadas de 1920 e 1930 para hipótese de que genes estavam relacionados a enzimas e outros fatores que conferiam capacidades biossintéticas ou bioquímicas específicas. Reproduzido de Freedman (2012).

Em 1907, Wheldale publicou sua análise da base genética da manifestação das cores: quatro fatores Mendelianos eram combinados para dar origem às diferentes cores das flores. Esse estudo notável foi o primeiro de uma de série de pesquisas sobre a ligação entre a herança de fatores genéticos e a produção dos pigmentos, as antocianinas. Sobre este trabalho, Bateson comentou: “O problema da herança de cores em Antirrhinum, que ela [Wheldale] decidiu resolver, provou ser muito mais complexo do que o esperado, e a solução que ela propôs é inteiramente seu próprio trabalho. Há todas as razões para acreditar que isso está correto e considero o artigo de considerável valor.”

Seu trabalho estabeleceu as bases para que Beadle e Tatum realizassem experimentos em Drosophila melanogaster e Neurospora crassa, quer viriam a ser definitivos para estabelecer a hipótese “um gene-uma enzima”. A descoberta do papel funcional dos genes e do padrão de codificação dessa informação por Joshua Lederberg, desencadearam uma busca incessante pelos genes instrumentais, ou “genes para” determinadas características. De fato, a hipótese simples –um gene, uma enzima (ou polipeptídeo)– permitiu a formulação de testes de hipótese sobre a função gênica e o código genético trazia uma previsibilidade sobre a consequência funcional de mudanças na sequência nucleotídica. Por seu trabalho, Beadle e Tatum compartilharam com Lederberg, o Prêmio Nobel de 1958 em Fisiologia ou Medicina. Beadle a cita no seu discurso de aceitação

Marcella O’Grady Boveri (1863-1950)

Mesmo com os inúmeros exemplos dos cruzamentos feitos por Bateson, seus colaboradores e suas colaboradoras, ainda havia uma grande resistência à Genética Mendeliana. Grande parte da resistência vinha do grupo de biometristas que tinha Karl Pearson e Walter Frank Raphael Weldon como seus principais interlocutores contra as leis Mendelianas. Os biometristas tinham vários argumentos contra o modelo de herança defendido por Bateson, particularmente a dificuldade de conciliar a visão mendeliana com a Seleção Natural de caracteres de distribuição contínua de Darwin. Outra crítica era a natureza não conhecida dos tais fatores Mendelianos (o que eram? onde estavam?). A essa crítica, Walter Sutton, estudante de Doutorado na Universidade de Columbia, propôs a uma hipótese. Ele estudava cromossomos de gafanhotos e, provavelmente após assistir a uma das palestras de Bateson, associou o comportamento dos fatores Mendelianos e o comportamento dos cromossomos. Tanta similaridade o levou a concluir que os fatores estavam nos cromossomos (ou alguma outra estrutura com os mesmos comportamentos).

Ao mesmo tempo, outro grupo na Universidade de Würzburg na Alemanha estudava a função dos cromossomos. Theodor Boveri chegava à conclusão de que o número de pares de cromossomos era uma característica da espécie. Em seu trabalho com ouriços-do-mar, usou alguns truques para criar embriões com número de cromossomos não característico da espécie. Esses embriões eram inviáveis, mostrando que cada cromossomo possuía “qualidades differentes”. As duas abordagens de Sutton e de Boveri se complementavam para a formulação da teoria cromossômica de herança de Sutton-Boveri. Aqui cabe uma correção histórica: Boveri não deveria estar no singular, pois foi o resultado do trabalho conjunto de Theodor e Marcella Boveri. 

Marcella Imelda O’Grady foi a primeira mulher graduada em Biologia no MIT (1885). Lá, O’Grady teve como mentores dois recém-doutores da Universidade Johns Hopkins, William T Sedgwick e Edmund Beecher Wilson. Ela ensinou ciências na Bryn Mawr School para meninas em Baltimore de 1885 a 1887 e foi agraciada com a “Fellowship in Biology” entre 1887-1889 para conduzir estudos avançados no Bryn Mawr College, um feito raro para uma mulher na época. O’Grady foi promovida em 1893 ao cargo de professora titular.

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Figura 3. Marcella O’Grady Boveri. As circunstâncias nas quais Marcella Boveri realizou sua pesquisa na Alemanha, a levaram a um papel de colaboração e não independência. Ela nunca teve reconhecimento formal pela contribuição no linha de pesquisa já estabelecida pelo marido, Theodor Boveri. Ela acreditava que oportunidade de participar já era em si um privilégio. Reproduzido de  Wright (1997).

Em 1896, O’Grady planejou um ano sabático na Universidade de Würzburg. O trabalho de Theodor Boveri com cromossomos a havia atraído. Ela foi admitida para estudar ciências na Universidade de Würzburg, e mais uma vez foi a primeira mulher aceita no programa de ciências da universidade. No início, Boveri se opunha à idéia de mulheres receberem educação superior e também à ideia de uma mulher trabalhando com ele em sua pesquisa. Não somente a opinião de Theodor Boveri mudou, mas também os planos de Marcella O’Grady: o que deveria ser um sabático tornou-se definitivo com casamento dos dois em outubro de 1897. Ela permaneceu na Alemanha mesmo após a morte de Theodor Boveri em 1915 e retornou aos Estados Unidos em 1927 para assumir a direção do Departamento de Ciências em Albertus Magnus College. 

Embora Marcella Boveri tenha trabalhado tanto quanto o marido em todos os experimentos e tenha sido, de todas as formas, uma contribuinte igual e merecedora de suas descobertas, ela nunca foi oficialmente creditada por nenhum de seus trabalhos, incluindo sua contribuição mais famosa e importante, a teoria da cromossômica da herança de Sutton-Boveri. 

Está agora em nossas mãos reconhecer a contribuição dessas incríveis mulheres para o nosso entendimento da Genética. Falemos sobre elas em nossos cursos básicos de Genética. Lembremos delas dentre as várias cientistas mulheres que têm suas contribuições esquecidas. Que sejam reconhecidas como as mães da Genética, ao lado dos já reconhecidos pais da disciplina, Mendel e Bateson.

Tatiana Teixeira Torres (USP)

 

Para saber mais:

  • Robin Marantz Henig (2001) O Monge no Jardim: o Gênio Esquecido e Redescoberto de Gregor Mendel, o pai da Genética. Ed. Rocco. 256 pp.

Biografia de Gregor Mendel, conta toda sua vida com ênfase em sua descoberta dos padrões de herança de características. Conta também os acontecimentos que levaram a redescoberta de seus trabalhos após 1900 e como a disciplina Genética é criada a partir de suas descobertas.

Este ensaio mostra como a situação da mulher na ciência no início do século XX, em particular, no estabelecimento da nova disciplina da genética. Além do desenvolvimentos científico, o ensaio mostra também fatores institucionais, sociais e políticos importantes na época.

Dois esclarecimentos sobre o “Design Inteligente”

O filósofo da biologia Gustavo Caponi, professor da UFSC, faz duas aclarações porque Design Inteligente não é ciência.

Na ciência duvida-se a partir do conhecimento e não a partir da ignorância. Duvida-se a partir daquilo que sabemos, e não a partir daquilo que ainda ignoramos. Nada no conhecimento biológico contemporâneo justifica dúvidas sobre o fato de todas as formas vivas descenderem de um ancestral comum do qual elas evoluíram, nem há razão razoável para supor que, algum dia, essas dúvidas possam vir a surgir. É por isso que tais dúvidas só podem ser colocadas a partir do exterior da ciência; e é por essa mesma razão que elas estão excluídas de qualquer discussão científica. Tal é o caso das objecções à teoria da evolução que hoje são levantadas pelos neo-criacionistas que promovem isso que eles chamam ‘design inteligente’: uma pretensa explicação da adaptação biológica que se quer apresentar como alternativa à Teoria da Seleção Natural. Ela está enunciada a partir do exterior da ciência por duas razões que eu vou apontar aqui.

A primeira delas tem a ver com o fato de, na ciência, seja qual for a explicação dada a um fenômeno, essa explicação deve aludir a variáveis acessíveis ao próprio conhecimento científico, independentemente do próprio fenômeno que se almeja explicar. O que, claramente, não é o caso do ‘desenhista inteligente’ que alguns pretendem invocar para explicar as adaptações de estrutura e função que ocorrem nos seres vivos. Esse projetista misterioso, que sempre foi mais conhecido como ‘Deus’, é uma entidade cujos estados e comportamentos escapam a qualquer conhecimento empírico e a qualquer intervenção ou manipulação experimental. Explicar uma adaptação complexa apelando para esse projetista não é diferente de explicar uma tempestade marinha apelando para a ira de Netuno. Nesse caso, se nos perguntarem como sabemos que Netuno está zangado, a única resposta que poderemos dar é que a tempestade está lá para confirmar essa cólera. Já no caso do desenhista inteligente, se perguntarmos a um de seus adoradores como ele sabe que esse projetista é responsável por uma determinada estrutura, a única resposta que teremos é que a complexidade da estrutura está lá para confirmar a resposta. Essa complexidade, nos dirão, é tão grande que só pode ser explicada por uma intervenção sobrenatural; e é ao invocar essa intervenção que a resposta do design inteligente fica irremediavelmente desterrada do âmbito daquilo que pode ser considerado um exame científico.

Mas, além disso, que já é razão suficiente para descartar a cientificidade da soi-disant ‘teoria do design inteligente’, também deve ser apontado que, ao contrário daquilo que seus proponentes afirmam, essa pretensa teoria não resolve nenhuma dificuldade que ainda não tenha sido resolvida em termos evolucionistas. A tão apregoada ‘complexidade irredutível’ não tem nada de irredutível, e o próprio Darwin já havia explicado isso. Ele o fez em 1859, na primeira edição de Sobre a Origem das Espécies; e, por via das dúvidas, o esclareceu ainda mais em 1866, na quarta edição dessa mesma obra.

Todavia, como o evolucionista católico Saint George Jackson Mivart se fez de distraído, e voltou a essa suposta dificuldade em sua obra de 1871, A Gênese das Espécies, o célebre darwinista alemão Felix Anton Dörhn viu-se obrigado a fazer um esclarecimento final, e definitivo, sobre o assunto. Ele o apresentou em seu opúsculo de 1875: A Origem dos Vertebrados e o Princípio da Sucessão de Funções. Este último princípio era, justamente, um pressuposto que Darwin não tinha conseguido enunciar com total clareza quando ele discutiu os órgãos extremamente complexos.

A ideia, no entanto, é relativamente simples; e para entendê-la temos que começar no mesmo ponto do qual parte o frágil argumento da ‘complexidade irredutível’: qualquer estrutura para ser submetida ao aprimoramento da seleção natural deve ter algum desempenho funcional biologicamente significativo. Portanto, para explicar a origem das estruturas cujo desempenho funcional atual supõe uma complexidade estrutural cuja origem evolutiva não pode ser atribuída ao mero acaso, temos que apelar para o Princípio de Sucessão de Funções. Este leva a pensarmos que essa complexidade morfológica foi o resultado de pressões seletivas que tiveram a ver com uma outra função realizada por essa mesma estrutura, numa etapa anterior da sua evolução. Esse pode ser um desempenho funcional que não exigia necessariamente tanta complexidade morfológica, mas cuja otimização poderia resultar naquele aumento de complexidade que permitiu o aparecimento da nova função. Para dizer de outra forma, uma função complexa é produto de uma série de modificações estruturais resultantes da otimização de funções anterior menos complexas.

Os evolucionistas sabem disso desde 1859, e não precisaram de Nietzsche para lhes contar: a história do olho não é a história da visão. Não é assim porque, nas suas formas mais primitivas, aquilo que chamamos ‘olho’ não desempenhava a função de ver, mas de detectar movimentos ao redor, sensíveis como mudanças na intensidade de luz captada. Pela mesma razão, a história das penas e a história das asas das aves não são a história do vôo: inicialmente as penas evoluíram em virtude do equilíbrio térmico; e, nas suas origens, aquelas estruturas que agora chamamos de ‘asas’ evoluíram em virtude de algo muito distinto do vôo. E algo semelhante, embora muito mais simples, foi o acontecido, conforme Kenneth Miller o apontou, com a evolução dos flagelos bacterianos: essas estruturas que alguns acólitos do ‘design inteligente’ apresentam em filminhos adubados com musiquinha e invocações ao sobrenatural. Em sua forma “completa”, são estruturas de propulsão. Tomadas apenas suas subunidades, são estruturas de bombeamento de moléculas.

É claro, entretanto, que estudar esses tortuosos processos de otimização e mudança funcional acaba sendo muito complexo e árduo, algo que requer muito trabalho.  Por isso, para os espíritos preguiçosos, é mais fácil esquecer de Dörhn, curvando-se piedosamente perante uma suposta complexidade irredutível: como Mivart fez em 1871; como Lucien Cuénot fez novamente em sua obra Invenção e Finalidade em Biologia de 1941; e como mais recentemente Michael Behe e seus seguidores também o fizeram. Nada de novo no front.

Desterro de Fritz Müller

12 de Fevereiro de 2020

Darwin’s Day 2020

Gustavo Caponi (Departamento de Filosofia, UFSC)

PARA SABER MAIS:

CAPONI, Gustavo 2013: El 18 Brumario de Michael Behe: la teoría del diseño inteligente en perspectiva histórico-epistemológica. Filosofía e História da Biologia 8 (2): 253-278.

MILLER, Kenneth 2010: The flagellum unspun: the collapse of ‘irreducible complexity’. In ROSENBERG, Alex & ARP, Robert (eds.): Philosophy of Biology. Malden: Wiley-Blackwell, pp.438-449.

O que significa ser um criacionista defensor do Design Inteligente em 2020?

O Governo Federal indicou para a direção da CAPES – uma agência do Ministério da Educação que regula, avalia e financia atividades de ensino superior – um adepto do Design Inteligente (DI), uma vertente do criacionismo, que nega a teoria da evolução. Por que isso importa?

O livro “A origem das espécies” foi publicado por Charles Darwin há 161 anos. Nele, Darwin constrói um longo argumento acerca de uma ideia central: todos os seres vivos, que vivem ou já viveram, são aparentados uns aos outros e se modificaram a partir de ancestrais comuns. Segundo Darwin, a seleção natural explica muitas das mudanças que os seres vivos sofreram ao longo do tempo.

Há quem não aceite essas ideias. Para criacionistas a diversidade de seres vivos que existe na Terra não resulta da evolução, mas é de alguma forma produto de intervenção divina. Há várias vertentes do pensamento criacionista, mas todas em algum grau negam a ideia básica de que a evolução ocorreu.

O que significa ser um criacionista em 2020?

Ainda que o criacionismo negue a Evolução, começo por lembrar que o pensamento evolutivo pode ser adotado por praticantes de diferentes religiões. Há uma rica história de cientistas que conciliaram, cada qual da sua forma, o pensamento evolutivo e a espiritualidade. No Brasil temos, entre tais pensadores, Crodowaldo Pavan (que foi membro da Academia de Ciências do Vaticano) e Newton Freire Maia (evolucionista e católico praticante). Sim, é possível ter fé e ser evolucionista. No próprio Darwinianas temos um colaborador que é religioso. Espírita praticante, acredita em Deus, em muitas histórias contadas e registradas na Bíblia e nem por isso deixa de ser evolucionista e pesquisador de primeira linha. Diante desse cenário, torna-se muito importante distinguir entre uma visão criacionista, como uma visão religiosa, legítima dentro do domínio da religião, e a tentativa de propor criacionismo como se fosse teoria científica, que se torna uma forma ilegítima de pseudociência.

A versão mais moderna do criacionismo é o Design Inteligente (DI). O argumento dessa forma de criacionismo é que os seres vivos possuem estruturas que são complexas demais para terem se originado pelo processo evolutivo. Segundo o DI, a existência de estruturas complexas refuta a evolução pois a “remoção de uma das partes faria com que o sistema efetivamente cessasse de funcionar”. Considere um olho, que é uma estrutura complexa feita de muitas partes. Assumindo que ele só funciona com todas as peças no lugar, ele precisaria ter surgido já completo, com todas as suas partes, pois olhos incompletos não seriam funcionais. A evolução, vista como processo em que sucessivas mudanças explicam a transformação, não acomodaria o surgimento de uma estrutura complexa de uma só vez. Dada a suposta impossibilidade de explicar o surgimento de traços complexos por processos naturais, os defensores do DI concluem que o responsável seria algum “projetista”, de identidade desconhecida. O indicado para a presidência da CAPES  é um defensor do DI. Ele advoga que o ensino do design inteligente deveria estar presente a partir da educação básica.

Mas os argumentos do DI já foram refutados. Por exemplo, o complexo flagelo das bactérias (estrutura que usam para locomoção) é constituído de múltiplas peças (30 proteínas, para ser mais preciso). Os defensores do DI argumentam que flagelos sem todas as peças no lugar não funcionariam, e que seria impossível que a evolução originasse essa estrutura complexa juntando “de uma só vez” 30 proteínas diferentes. Mas eis que Kenneth Miller estudou a fundo o flagelo bacteriano e descobriu que um subconjunto de proteínas do flagelo também exerce funções completamente distintas da locomoção, injetando toxinas em outras células. Assim, o flagelo não seria formado do zero, mas a partir de grupos de proteínas que já estavam montados, exercendo outra função. Assim, fica muito mais fácil explicar a origem do flagelo, pois peças que o constituem já estavam presentes antes de existirem flagelos, mas exercendo uma função distinta. Dessa forma, conseguimos explicar a existência da estrutura intermediária que culminou na origem do flagelo, e desmontamos o argumento usado pelo  Design Inteligente. Ou seja, mesmo se assumíssemos para fins do argumento que o DI poderia ser mais do que uma pseudociência, e supuséssemos que ele poderia ser uma teoria científica, ainda assim o DI não seria mais do que uma teoria refutada.

E não se trata de somente uma refutação. Outros argumentos favoritos do DI também já foram refutados: a complexa via de coagulação é constituída de proteínas que, também de acordo com estudos de Miller, antes de haver coagulação atuavam no processo de digestão. Há também experimentos em laboratório que mostram que traços complexos surgem a partir de estruturas que desempenhavam outras funções anteriormente. Insistir nos argumentos do DI é negar resultados de trabalhos científicos reconhecidos.  E, o que é mais preocupante, há quem insista na ideia de que se deveria colocar esses argumentos refutados dentro da sala de aula. Uma vez que eles foram cientificamente refutados, o propósito parece ser apenas tentar negar a evolução, nada além disso. Fazê-lo traria grandes prejuizos à educação científica dos brasileiros e, na verdade, de qualquer cidadão do planeta. Mas por que?

Ora, por que ser defensor do DI implica negar um vasto corpo de conhecimentos, que reúne ideias da paleontologia, da genômica, da anatomia, da biogeografia. Significa refutar não um experimento ou estudo isolado, mas toda uma vasta literatura, construída ao longo de mais de um século, inteiramente consistente com as ideias básicas da evolução: somos todos aparentados, descendemos de ancestrais comuns com modificações influenciadas pela seleção natural.

Defender o DI significa, por exemplo, fechar os olhos para experimentos feitos em laboratório por Richard Lenski, que comparou bactérias ao longo de 20 anos e documentou sua transformação pela seleção natural. Significa ignorar os estudos de Peter e Rosemary Grant, que mediram os bicos de tendilhões (uma grupo de aves) ao longo de décadas e mostraram que as suas dimensões mudaram de uma maneira consistente com a disponibilidade de alimentos das ilhas que habitavam, novamente como previsto pela seleção natural. Ser defensor do DI em 2020 é deixar de lado os estudos que identificam mutações em genes que controlam o desenvolvimento de animais, e são capazes de explicar como ao longo do tempo uma pata pode ter se tornado uma nadadeira. Ser defensor do DI significa prescindir de um olhar evolutivo sobre como tumores se transformam ao longo do curso de uma doença: sim, tumores também evoluem, e as teorias usadas para explicar a evolução das espécies ajudam a entender como as células num tumor coexistem e competem, e como a constituição da massa de células que chamamos de tumor se transforma. Ser defensor do DI implica fechar os olhos para a resposta que temos nos dias de hoje para aquilo que Darwin chamou de “o mistério dos mistérios”, que é o surgimento de novas espécies. Hoje identificamos genes específicos que, quando alterados, explicam por que um grupo que era uma única espécie tornou-se dois grupos de organismos de espécies distintas, incapazes de cruzar uns com os outros e produzir descendentes férteis. Sim, temos uma compreensão de mecanismos moleculares que explicam como uma espécie se transforma em duas.

Em muitos casos, ser defensor do DI infelizmente também significa deturpar a forma como cientistas trabalham. Um dos discursos mais perniciosos e recorrentes é o de que os alunos estudando evolução precisam também aprender sobre o “outro lado”, que seriam as perspectivas criacionistas. Mas outro lado do quê? O “outro lado” de uma ideia evolutiva é uma nova ideia científica que discorda dela. Dessas temos muitas na biologia evolutiva: debater ideias e criticar colegas é o cotidiano de um cientista, e num post anterior já tratei de áreas particularmente controversas da biologia evolutiva.

Argumentos anti-evolutivos oferecidos por criacionistas defensores do DI não são “o outro lado” da evolução; apesar de sua roupagem científica, eles são uma negação da forma científica de pensar. Faço uma analogia: um paciente insatisfeito com um médico tem todo direito de buscar um tratamento espiritual para sua mazela. Mas não se pode dizer que ele foi buscar uma “segunda opinião”. Ele terá abdicado do caminho médico e seguido outro rumo. De modo análogo, trazer o criacionismo para a as aulas de ciência é fazer com que a aula deixe de ser de ciências.

Demandar que se ensine uma ideia religiosa numa aula de ciências faz tão pouco sentido quanto demandar que se inclua no culto de uma religião uma discussão científica das escrituras sendo lidas. Notem, não se trata de defender que uma coisa é melhor que outra, mas de reconhecer diferenças. E isso é importante porque apresentar diferentes conhecimentos às pessoas sem tratar de suas diferenças apenas cria pessoas confusas.

Ser criacionista defensor do DI é negar a ciência da evolução, mas não através de argumentos científicos. Ao fim e ao cabo, significa negar a ciência. Dessa forma, o argumento de que o DI teria alguma suposta teoria científica alternativa, que deveria ser ensinada nas aulas de ciências, é em si uma contradição. Como algo que nega o pensamento científico pode ser científico?

Ser criacionista defensor do DI em 2020 é negar a forma como o conhecimento é construído, e propositalmente confundir controvérsias que são inerentes à ciência com um pretexto para tentar derrubar uma das mais sólidas teorias construídas pela ciência. É não compreender que a evolução não é um fato isolado, mas uma teia de conhecimentos apoiada por uma comunidade de cientistas com critérios rigorosos para avaliar quais experimentos, observações ou cálculos matemáticos são confiáveis.

Ser criacionista defensor do DI em 2020 é incompatível com ocupar uma posição de liderança na comunidade científica, como um país da importância do Brasil deveria almejar.

Diogo Meyer (Universidad de São Paulo)

Para saber mais:

A goleada de Darwin, de Sandro de Souza. Record, 2009.

Creationism and Intelligenet Design, de Eugenie Scott. Em “The Princeton Guide to Evolution”, editado por David Baum e colaboradores.

O que está em jogo no confronto entre criacionismo e evolução? De Diogo Meyer e Charbel Niño El-Hani, Filosofia e História da Biologia, 8: 211-222.

O darwinismo e a transformação da medicina

Uma maior integração da microbiologia, biologia evolutiva, ecologia e outras ciências transformaria nossas práticas médicas

A teoria darwinista da evolução tem muitas aplicações práticas. A atenção a essa dimensão prática revela dificuldade distinta de um problema mais comumente comentado, a proposição de supostas alternativas pseudocientíficas (como o design inteligente), frequentemente associadas a uma compreensão limitada e/ou equivocada da natureza da ciência. Trata-se de que mesmo aqueles que aceitam a teoria darwinista, ou estão engajados em debates de fato científicos a seu respeito, por vezes perdem de vista seu papel na abordagem de problemas sociais e ambientais importantes. O ensino de evolução, em todos os níveis de escolaridade, poderia fazer mais para superar esse estado de coisas, se concedesse mais espaço a aplicações da teoria. Recursos para isso não faltam, a exemplo de livro de Douglas Futuyma disponível em português, em publicação da Sociedade Brasileira de Genética, que aborda o assunto. Continue Lendo “O darwinismo e a transformação da medicina”

Alan Turing na palma da mão

A repetição de formas simples produz alguns dos padrões mais belos da natureza. Pintas na pele das onças e listras na pele das zebras, por exemplo. Há 65 anos, o matemático inglês Alan Turing propôs modelos para explicar estas formas periódicas. Hoje, com a ajuda dos computadores modernos, vemos que eles podem explicar mais do que esperávamos, incluindo o desenvolvimento e a evolução dos nossos dedos.

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Modelos invisíveis: receita para problemas no ensino de genética

Relacionar ideias da genética clássica, genética molecular e genética atual é uma das principais dificuldades do ensino de genética, sobretudo quando diferentes modelos do gene e de suas funções se tornam invisíveis, perdendo-se de vista sua história

Um dos conceitos mais fundamentais da genética, gene, é entendido de modo fundamentalmente diferente na genética clássica (que se ocupa dos padrões de herança observados em cruzamentos e genealogias ou heredogramas), genética molecular (que tem como foco a análise de moléculas de DNA e seu processamento pelas células) e genética atual (caracterizada por uma compreensão cada vez maior dos genomas). Essas mudanças de significado do gene tornam difícil sua compreensão pelas pessoas, incluindo professores e estudantes que estão ensinando e aprendendo genética. As dificuldades aumentam muito quando se ensina genética de uma maneira que não é informada histórica e filosoficamente, em particular, quando não se ensina abordando explicitamente modelos construídos ao longo da história dessa ciência. Em postagem anterior, tratamos da distinção de dois significados de gene, “gene-P” e “gene-D”. Aqui, retornamos ao assunto, explorando-o de outras direções. Continue Lendo “Modelos invisíveis: receita para problemas no ensino de genética”

A diversidade humana não cabe nas categorias raciais

Através da análise de muitos genes, indivíduos podem ser alocados em grupos que correspondem aos seus continentes ou países de origem. Isso quer dizer que o conceito de raças humanas está correto?

 

Falamos sobre raças humanas o tempo todo. Livros didáticos e artigos científicos se referem a “Caucasianos”, “Negros”, “Amarelos” e “Índios”, por exemplo. O que geneticistas têm a dizer sobre essa categorização dos humanos?

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As roupas novas do gene

A compreensão atual dos sistemas genômicos nos distancia da visão poderosa que a dupla hélice e o dogma central da biologia molecular nos propiciaram, e nos lançam na aventura de encontrar uma nova visão, que seja igualmente poderosa

Em 1953, James Watson (1928-) e Francis Crick (1916-2004) apresentaram um modelo que explicou a estrutura do DNA, o modelo da dupla hélice, que estabeleceu esta molécula como a base da herança biológica. Como discute Rudolf Hausmann, em seu livro sobre a história da biologia molecular, até a publicação do modelo da dupla hélice, ainda havia debate na comunidade científica sobre qual molécula presente no cromossomo seria a base da herança, o DNA ou as proteínas. Foi somente então que, uma vez estabelecido o DNA como base material da herança, uma visão realista sobre o gene, como uma unidade estrutural e funcional que era parte dessa molécula, ganhou larga aceitação.
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Dois significados de “gene” e o determinismo genético

A confusão entre dois significados distintos de gene favorece ideias deterministas genéticas.

É muito comum nos depararmos com a afirmação de que foi encontrado algum “gene para” uma característica. Essa afirmação não tem lugar apenas quando falamos de doenças monogênicas (que envolvem somente um gene), como, por exemplo, a fenilcetonúria, mas também em relação a características complexas, como inteligência, agressividade ou até mesmo felicidade. Para a maioria das pessoas, quando falamos em um gene “para” alguma característica, estamos dizendo que o gene determina a característica. Ou seja, estamos assumindo uma visão determinista genética. Continue Lendo “Dois significados de “gene” e o determinismo genético”