A morte é uma verdade inexorável para qualquer ser humano. A certeza da morte está sempre presente nos nossos inconscientes e contribui de forma importante para as sensações de ansiedade que sentimos no nosso cotidiano, como argumenta Irvin D. Yalom em sua obra “Staring at the Sun: Overcoming the Terror of Death”, traduzida para o português, em 2008, sob o título “De frente para o Sol”.
E é provavelmente essa ideia de um fim irremediável que leva muitos cientistas a estudarem os processos de envelhecimento e morte, na esperança de, quem sabe um dia, conseguirmos evitar a morte ou ao menos prolongar a vida.
Em populações humanas, a probabilidade de morrer está associada a dois tipos de fatores: aqueles dependentes e independentes da idade, descritos pela chamada Lei de Gompertz-Makeham. Essa lei formaliza matematicamente uma ideia simples: em geral, quanto mais velho o ser humano, maiores as suas chances de morrer. Enquanto fatores independentes de idade, como melhorias na qualidade de vida, por exemplo, possuem impacto significativo na redução da mortalidade em seres humanos, fatores dependentes de idade se mostram muito mais constantes ao longo das décadas.
Os fatores dependentes de idade possuem relação direta com os processos biológicos ligados ao envelhecimento. Em seres humanos, cientistas produziram evidência que um dos processos de envelhecimento celular está ligado ao encurtamento dos cromossomos durante a replicação do DNA. Explico: antes que as nossas células se dividam, uma enzima, a DNA polimerase, replica o nosso material genético para que este seja adequadamente transmitido para cada uma das células-filhas. Mas a DNA polimerase é incapaz de replicar adequadamente o final dos cromossomos, uma região chamada de telômero. Assim, a cada divisão celular, um aparato de enzimas precisa estar a postos para auxiliar a replicação das pontas dos cromossomos e evitar perda de material genético. Esse processo torna-se cada vez menos eficiente com o passar do tempo, levando, em geral, ao encurtamento do telômero a cada divisão celular. Apesar do comprimento dos telômeros não estar estritamente correlacionado com a idade biológica, o encurtamento do telômero está diretamente relacionado a inúmeras doenças de envelhecimento precoce.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a média mundial da expectativa de vida ao nascer em 2015 era de 71.4 anos, com o Japão liderando o ranking (83.7 anos).
Mas, se olharmos ao nosso redor, perceberemos que a longevidade do ser humano é tímida quando comparada aos organismos mais longevos que conhecemos. Por exemplo, a espécie Pinus longeva, uma das três espécies dos chamados pinheiros bristlecone, pode viver por mais de 5.000 anos (Figura 2a). Dentre os vertebrados, o tubarão-da-groenlândia (Somniosus microcephalus) tem a maior expectativa de vida (Figura 2b), chegando a viver por 500 anos!
Surpreendentemente, estudando processos de envelhecimento em várias espécies, cientistas perceberam que algumas delas, como a Hydra vulgaris (Figura 2c), não são afetadas por processos de envelhecimento e são, ao menos em teoria, imortais. Para cientistas, imortalidade biológica é definida pela ausência de aumento das taxas de mortalidade com o envelhecimento, desafiando a ideia de que organismos mais velhos possuem maior chance de morrer. Essas espécies desafiam a Lei de Gompertz-Makeham, particularmente os fatores dependentes de idade, porque as taxas de mortalidade não aumentam (ou até diminuem!) com o envelhecimento.
Ainda mais fascinante é o processo de envelhecimento reverso da água-viva Turritopsis dohrnii, também conhecida como água-viva imortal. Esses organismos são capazes de, a qualquer momento, retornar a estágios iniciais do desenvolvimento, reiniciando o seu ciclo de vida e são, ao menos em teoria, capazes de realizar esse processo indefinidamente.

Até então, grande parte das espécies consideradas biologicamente imortais fazem parte de linhagens evolutivas bem distantes de nós, principalmente de invertebrados, como no caso da hidra e da água-viva, mencionados acima. Recentemente, no entanto, um artigo publicado na eLife sugere que os rato-toupeira pelados (Heterocephalus glaber) desafiam a lei Gompertz-Makeham, pois suas taxas de mortalidade não aumentam com a idade. Esses organismos, distribuídos pelas regiões áridas e semi-áridas da África subsaariana, são estritamente subterrâneos e sociais, vivendo em colônias que chegam a abrigar 300 indivíduos.
Vários fatores estão ligados à longevidade em vertebrados. Um desses é a massa corporal em adultos,: espécies com maior massa corporal tendem a viver mais do que espécies com pequena massa. Ratos-toupeira-pelados são capazes de viver em cativeiro por mais de 30 anos, expectativa de vida que supera em 5 vezes o esperado para um roedor de apenas 40 gramas. J. Graham Ruby e colaboradores se basearam em mais de 3.000 observações a respeito da expectativa de vida desses organismos, utilizando não apenas indivíduos em cativeiro como também populações em seu ambiente natural, onde os organismos estão sujeitos ao ataque de predadores, a doenças e a intempéries. Em ambas as situações, esses organismos superam as expectativas de vida para roedores de porte similar, com alguns indivíduos chegando a viver por mais de 17 anos na natureza.
Os mecanismos que determinam a longevidade dos ratos-toupeira-pelados ainda não são conhecidos, mas os sinais de envelhecimento observados na grande maioria dos mamíferos não são encontrados nesses organismos, tornando-os uma das únicas espécies de mamífero biologicamente imortais descritas até hoje. Um outro ponto importante é perceber que o estudo de diversas espécies aponta para o fato de que diferentes grupos, muitas vezes proximamente aparentados, possuem mecanismos de envelhecimento bem distintos.
O estudo de espécies não usuais, como os ratos-toupeira-pelados, pode gerar informações valiosas quanto aos vários processos de envelhecimento, possivelmente permitindo uma melhor compreensão do nosso próprio envelhecimento. Olhar para além do ser humano talvez nos traga respostas para uma das mais profundas inquietações humanas: a inevitabilidade da morte, a finitude da vida. E, quem sabe, a resposta para a vida eterna esteja (quem diria!) nos ratos-toupeira-pelados e nas águas-vivas imortais.
Ana Almeida
California State University East Bay (CSUEB)
Figura 1: Rato-toupeira pelado fêmea (Heterocephalus glaber), umas das únicas espécies de mamífero que não apresenta sinais de envelhecimento. (Fonte: Jedimentat44, Wikipedia)
Para saber mais:
Buffenstein, R. 2008. Negligible senescence in the longest living rodent, the naked mole-rat: insights from a successfully aging species. Journal of Comparative Physiology B.
Cohen, Alan A. 2017. Aging across the tree of life: The importance of a comparative perspective for the use of animal models in aging. Biochemica et Biophysica Acta (BBA) – Molecular Basis of Disease.
Kupferschmidt, K. 2018. Naked mole rats defy the biological law of aging. Science.
Mather, K.A.; Jorm, A.F.; Parslow, R.A.; Christensen, H. 2010. Is telomere length a biomarker for aging? Journal of Gerontology: Biological Sciences.
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