Quais as consequências a longo-prazo da perda de biodiversidade?

Estudo de mais de 20 anos sugere que os efeitos da perda de biodiversidade são dependentes do contexto. Ou seja, ecossistemas distintos respondem de diferentes maneiras à perda de biodiversidade, e nós ainda temos muito o que aprender.

Desde criança, sempre sonhei com matas densas, cheias de bichos e plantas das mais variadas cores, formas e tamanhos. Por vezes, esses sonhos eram ricos de uma sensação interminável de aventura e descoberta: em cada direção havia algo novo a conhecer e se encantar. Nas manhãs após esses sonhos, acordar era um choque de realidade, pois as paredes quase brancas do meu quarto estavam muito aquém da riqueza desses universos que deixava para trás. Para os amantes da natureza como eu, imaginar essas paisagens é tarefa fácil. Hoje, como bióloga, vejo na prática que estudar a diversidade da vida é tão fascinante quanto desvendá-la em meus sonhos, e os processos que geram essa imensa biodiversidade na natureza são ainda mais criativos do que a minha imaginação de criança.

Hoje conhecemos algo em torno de 260.000 espécies de plantas e quase 2 milhões de espécies animais, além de milhares de espécies de fungos e incontáveis espécies de bactérias. Mas, alguns cientistas estimam que ainda desconhecemos algo em torno de 86% e 91% das espécies existentes nos ambientes terrestres e nos oceanos respectivamente! Esses números são, ao mesmo tempo, impressionantes e assustadores. Impressionantes, pois se a diversidade conhecida já é fascinante e os usos que dela fazemos incontáveis, é instigante imaginar que ela representa menos (muito menos!) da metade de tudo que existe na natureza.

Mas, esses números são também assustadores porque com as taxas atuais de extinção de espécies e destruição de ambiente naturais cientistas calculam que até 54% das espécies poderão ser extintas na próximas décadas. Frente a esse cenário não muito otimista, o estudo da biodiversidade e dos impactos causados pela sua perda são imperativos.

Os efeitos da perda de biodiversidade no funcionamento das comunidades ecológicas é um tema largamente estudado na ecologia. No entanto, vários aspectos importantes dos efeitos ecossistêmicos de longo-prazo da perda de biodiversidade ainda permanecem sem resposta. Um deles diz respeito a como esses efeitos são dependentes do contexto ambiental. Por exemplo, qual o efeito da perda de biodiversidade em diferentes comunidades vegetais? E como nem toda perda de biodiversidade se dá de forma semelhante, qual o efeito da perda de diferentes números de espécies na comunidade? A diversidade de comunidades vegetais é capaz de tamponar a variabilidade ambiental decorrente de perturbações externas ou flutuações nas condições ambientais?

Para tentar responder essas perguntas, cientistas estudaram os efeitos a longo prazo da perda de biodiversidade em 30 ilhas florestadas dos lagos Hornavan e Uddjaure, no norte da Suécia. Nessa região, a principal perturbação ambiental é o fogo que ocorre naturalmente, decorrente de tempestades de raios: ilhas maiores tendem a sofrer mais queimadas do que ilhas menores, criando um gradiente natural de perda de biodiversidade entre as ilhas de grande (com mais de 1.0 hectare), médio (entre 0.1 e 1.0 hectare) e pequeno porte (com menos de 0.1 hectare). Nessas ilhas, os pesquisadores ativamente removeram, em diferentes combinações, três das principais espécies do sub-bosque local (Vaccinium myrtillus, Vaccinium vitis-idaea e Empetrum hermaphroditum) (Figura 2), utilizando o gradiente natural de diversidade das diferentes ilhas. Em algumas ilhas, essas espécies chegaram a representar 98% do sub-bosque. Além disso, em geral, ilhas de maior porte apresentaram também maior produtividade e maior fertilidade dos solos, enquanto as ilhas menores apresentaram menor produtividade e fertilidade. Assim, o gradiente naturalmente formado simulou as variadas condições nas quais a perda de biodiversidade foi estudada pelos pesquisadores.

 

 

Figura 2 – (a) Localização dos lagos Hornavan e Uddjaure, ao norte da Suécia. (b) Vaccinium myrtillus (Photo: Anneli Salo, https://www.google.com/search?q=Vaccinium+myrtillus&client=firefox-b-1&tbm=isch&source=lnt&tbs=sur:fc&sa=X&ved=0ahUKEwiQ06207qbbAhXNHTQIHURyAygQpwUIIA&biw=1138&bih=501&dpr=1.2#imgrc=DHc10hLDxVnvPM:; (c) Vaccinium vitis-idaea (Photo: Arto J, https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lingonberry_(Vaccinium_vitis-idaea)_-_panoramio.jpg); (d) Empetrum hermaphroditum (Photo: Dawn Endico,  https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Empetrum_nigrum_Denali_AK.jpg).

Um dos aspectos principais desse estudo é que ele foi conduzido em comunidades naturais, em contraste com os estudos anteriores a respeito do papel da biodiversidade no funcionamento dos ecossistemas, geralmente realizados em ambientes altamente controlados e em comunidades aleatoriamente construídas. Nesse trabalho, os autores estudaram os efeitos a longo prazo da perda de biodiversidade na biomassa da comunidade vegetal e na variabilidade temporal dessa biomassa por um período de 20 anos. Ou seja, eles observaram a capacidade das comunidades de plantas em incorporar matéria orgânica após a remoção de uma, duas ou três das espécies vegetais dominantes do sub-bosque, e estudaram também como essa incorporação de biomassa variou ao longo do tempo.

Os autores confirmam o fato de que a perda de espécies nas diferentes ilhas reduz significativamente a biomassa vegetal das comunidades. Mas, contrário aos achados anteriores a esses estudos altamente controlados, os dados sugerem que esse efeito não necessariamente aumenta com o tempo, provavelmente devido a respostas compensatórias de outras espécies da comunidade. Porém, essas respostas compensatórias dependem largamente das interações entre as espécies locais e do contexto ecológico. Ou seja, o efeito da perda de biodiversidade na biomassa de comunidades vegetais decresce com o tempo, e esse decréscimo é mais evidente em comunidades menos produtivas e menos férteis.

Outro dado interessante é que a perda de diferentes espécies acarretou um aumento na variabilidade temporal da biomassa dessas comunidades, e esse efeito foi observado em maior intensidade nas comunidades mais produtivas e nas ilhas mais férteis. Ou seja, em áreas de maior produtividade, a biomassa sofreu, decorrente da perda de biodiversidade, as maiores variações ao longo desses 20 anos, quando comparado as áreas de menos produtividade.

Em geral, o impacto negativo da perda de biodiversidade nas diversas ilhas estudadas foi dependente da espécie removida e da possibilidade de compensação pelas espécies remanescentes locais. Isso sugere que as repostas ecossistêmicas à perda de espécies depende sobremaneira do contexto ambiental. Nesse caso, um ecossistema seria resiliente à perda de espécies apenas se outras espécies locais fossem capazes de ocupar o nicho deixado pela(s) espécies eliminada(s). Ilhas maiores, ou áreas em contato próximo com outras regiões seriam capazes de suprir novas espécies para a comunidade, e, portanto mais resilientes a perda de espécies.

Com base no que já sabemos hoje, tanto de observações de campo quanto de estudo experimentais, parece inquestionável a importância da biodiversidade para a manutenção da saúde dos ecossistemas e, em última análise, de nós humanos. Há muitas décadas, a comunidade científica nacional e internacional aponta para a necessidade de preservação da biodiversidade, principalmente em um país como o nosso, que abriga uma quantidade impressionante de espécies, muitas das quais pouco ou nada estudadas. Mas, a despeito do que apontam os mais variados estudos, o Brasil parece, infelizmente, remar contra a maré.

Notícias na última semana anunciaram o provável nome do novo presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), um dos principais órgãos ambientais do país, responsável pela criação, gestão e preservação de áreas de proteção ambiental no Brasil. O ICMBio gere, respectivamente, 9% e 24% dos territórios continental e marinho nacionais. O novo presidente, se for realmente confirmado, não parece possuir qualquer formação em gestão socioambiental, e sua indicação resulta, possivelmente, de uma negociata política. Infelizmente, ainda abordamos as questões ambientais de maneira pouco séria e um tanto inconsequente, em completo desalinho com o que apontam as pesquisas e a comunidade científica.

Se quisermos evitar surpresas futuras, precisamos levar a preservação da biodiversidade a sério, para que possamos através de mais estudos, como o relatado aqui, entender os efeitos de longo prazo da perda de espécies. A grande parte desses estudos vêm sendo realizados em ambientes temperados, com número relativamente pequeno de espécies, e ainda pouco sabemos a respeito dos efeitos da perda de espécies em ambientes tropicais.

Ana Almeida

(California State University East Bay)

Para saber mais:

Liu, J. et al. 2018. How does habitat fragmentation affect the biodiversity and ecosystem functioning relationship? Landscape Ecology, 33: 341-352.

Maynard, D.S.; et al. 2017. Competitive network determines the direction of the diversity-function relationship. PNAS, 114(43): 11464-11469.

Plimm, S.L. et al. 2014. The biodiversity of species and their rates of extinction, distribution, and protection. Science, 344: 1246752-1 – 1246752-10.

O DNA de sua família pode ser usado contra você no tribunal

Recentemente, um assassino em série, conhecido nos Estados Unidos como assassino do Estado dourado (“Golden State Killer”), foi preso graças às comparações de seu DNA a perfis genômicos em um banco de dados. Até aí seria uma história comum de investigação criminal, mas o que faz deste um caso particular é a origem do banco de dados. As informações genômicas do criminoso foram comparadas aos dados públicos de milhares de pessoas que depositaram seus genomas (ou uma parte deles) em uma página dedicada a recuperar a árvore genealógica dos seus usuários. Um dos usuários tinha um perfil similar ao do criminoso (um parente próximo), permitindo que os policiais reduzissem sua busca a apenas uma família. O caso levantou novas questões sobre os testes de DNA e a disponibilização desses dados.

Como o suspeito foi identificado

Em uma entrevista coletiva no dia 25 de abril de 2018, foi anunciada a prisão de Joseph James DeAngelo, mais de 30 anos depois de seu último crime conhecido. O assassino em série é acusado de pelo menos 12 homicídios e mais de 50 estupros entre 1976 e 1986. O caso havia sido arquivado, mas as novas tecnologias de genotipagem permitiram que o caso fosse reaberto e o criminoso descoberto. O DNA recuperado nos crimes investigados foi comparado a perfis genéticos disponíveis na página GEDmatch. Continue Lendo “O DNA de sua família pode ser usado contra você no tribunal”

A seleção molda a diversidade genética

Algumas espécies tem tamanhos populacionais imensos, mas possuem diversidade genética semelhantes à de espécies com tamanhos populacionais muito menores. Por quê? O estudo da seleção natural pode ser a chave para a resposta.

O cabo de guerra: mutação versus deriva

A teoria evolutiva é capaz de fazer previsões sobre o que esperamos encontrar na natureza. Uma das mais importantes diz respeito à variabilidade genética. Para evolucionistas, a diversidade genética de uma espécie deve ser proporcional ao tamanho populacional. Esperamos que espécies com muitos indivíduos tenham mais diversidade genética do que espécies com poucos indivíduos.

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Quer saber sua origem? Pergunte aos microrganismos e a Loki.

Num post aqui do Darwinianas, João Francisco Botelho falou sobre os microrganismos que habitam o corpo humano e explicou que através do desenvolvimento de técnicas de biologia molecular conseguimos acessar uma grande diversidade antes não conhecida de microrganismos difíceis de cultivar em laboratório. Neste meu primeiro post aqui do Darwinianas vou falar um pouco mais sobre uma dessas abordagens, a metagenômica, com a qual trabalho rotineiramente no meu Laboratório.

O termo “metagenômica” foi cunhado pela pesquisadora Jo Handelsman em 1998 e quer dizer “além do genoma”. A abordagem consiste basicamente em coletar amostras ambientais (por exemplo, de saliva humana a sedimentos de fossas marinhas abissais) e extrair e sequenciar simultaneamente o DNA de todos os microrganismos presentes nesta amostra. Com essas sequências em mãos podemos saber quem são os microrganismos presentes na amostra e o que eles potencialmente estão fazendo, pois podemos saber quais são os genes que estão presentes ali. Para fazer isso, os cientistas tinham que fragmentar o DNA metagenômico, colar em outros pedaços de DNA (por exemplo, plasmídeos) e inserir em bactérias para poder separar (ou isolar) os fragmentos, para depois disso dar significado biológico a essas sequências. Esse procedimento, era muito caro e laborioso, mas com os avanços tecnológicos hoje é possível “ler” uma quantidade extremamente maior de material genético, em muito menos tempo, a um custo muito menor.

Essa revolução tecnológica fez com que os bancos de dados de sequências crescesse muito, o número de genomas de referência (usados para dar significado biológico às sequências) também crescesse e novas abordagens e desafios fossem aparecendo. Com a massiva geração de novos dados, é possível reconstruir genomas inteiros a partir das sequências metagenômicas. A descoberta de alguns novos genomas tem contribuído muito para a expansão do conhecimento da biodiversidade e da e sobre as relações de parentesco entre os organismos. Ressalto aqui dois exemplos.

Em um trabalho liderado pela pesquisadora Jillian Banfield, centenas de novos grupos de bactérias extremamente pequenas e de biologia incomum foram descobertos em aquíferos contaminados por urânio através da reconstrução de novos genomas. Esses novos grupos (filos) representam uma expansão de 15% do da diversidade conhecida de bactérias e têm uma origem evolutiva comum. Esses microrganismos peculiares podem estar desempenhando funções importantes na ciclagem de matéria, por exemplo, de nitrogênio, carbono, enxofre.

Outro trabalho, liderado pelo pesquisador Thijs Ettema, analisou amostras de sedimento próximos a uma fumarola (chamada de “Castelo de Loki”, em homenagem ao deus nórdico de mesmo nome) a 2.383 metros de profundidade no Mar do Norte. A partir das sequências metagenômicas, os pesquisadores conseguiram montar novos genomas de microrganismos pertencentes a um novo filo do Domínio Archaea, Lokiarchaeota, em homenagem ao deus Loki. É muito interessante que estejam presentes nesses genomas recentemente descobertos vários genes considerados exclusivos de eucariotos. Esse novo filo “bagunçou” a árvore da vida, sugerindo que nós, eucariotos, somos fruto da evolução de uma célula arqueana que fagocitou uma bactéria.

Diversos grupos de pesquisa ao redor do globo vêm se dedicando a essas abordagens e milhares de novos genomas de microrganismos e vírus estão sendo recuperados de amostras disponíveis em bases de dados públicas, elucidando importantes questões científicas. Porém, os desafios são grandes. É necessário um grande poder computacional e habilidades de programação para analisar volumes tão grandes de dados em tempo hábil. Só para se ter ideia, o sequenciamento de uma amostra metagenômica pode gerar um arquivo texto (composto apenas por “A”, T”, “C” e “G”, os nucleotídeos que constituem o DNA) de mais de 50 Gigabytes! As novas tecnologias e abordagens estão revolucionando a forma como estudamos a vida de maneira muito rápida, trazendo a possibilidade de fazer novas perguntas e avançar ainda mais na nossa compreensão da natureza, da diversidade da vida e do fazer científico.

Pedro Milet Meirelles 

Instituto de Biologia da UFBA

Figura de Capa: Representação do Deus nórdico Loki, que inspirou a nomeação de um grupo de microrganismos que podem fornecer pistas sobre nossa origem evolutiva (Fonte: https://norse-mythology.org/gods-and-creatures/the-aesir-gods-and-goddesses/loki/).

Para Saber mais:

Anantharaman, K., Brown, C. T., Hug, L. A., Sharon, I., Castelle, C. J., Probst, A. J., et al. (2016). Thousands of microbial genomes shed light on interconnected biogeochemical processes in an aquifer system. Nat. Commun. 7, 13219. doi:10.1038/ncomms13219. (https://www.nature.com/articles/ncomms13219)

Brown, C. T., Hug, L. A., Thomas, B. C., Sharon, I., Castelle, C. J., Singh, A., et al. (2015). Unusual biology across a group comprising more than 15% of domain Bacteria. Nature 523, 208–211. doi:10.1038/nature14486. (https://www.nature.com/articles/nature14486)

Handelsman, J., Rondon, M. R., Brady, S. F., Clardy, J., and Goodman, R. M. (1998). Molecular biological access to the chemistry of unknown soil microbes: a new frontier for natural products. Chem Biol 5, R245–9. (https://www.cell.com/cell-chemical-biology/pdf/S1074-5521(98)90108-9.pdf)

Parks, D. H., Rinke, C., Chuvochina, M., Chaumeil, P.-A., Woodcroft, B. J., Evans, P. N., et al. (2017). Recovery of nearly 8,000 metagenome-assembled genomes substantially expands the tree of life. Nat. Microbiol. 903, 1–10. doi:10.1038/s41564-017-0012-7. (https://www.nature.com/articles/s41564-017-0012-7)

Roux, S., Brum, J. R., Dutilh, B. E., Sunagawa, S., Duhaime, M. B., Loy, A., et al. (2016). Ecogenomics and potential biogeochemical impacts of globally abundant ocean viruses. Nature 537, 689–693. doi:10.1038/nature19366. (https://www.nature.com/articles/nature19366)

Spang, A., Saw, J. H., Jørgensen, S. L., Zaremba-Niedzwiedzka, K., Martijn, J., Lind, A. E., et al. (2015). Complex archaea that bridge the gap between prokaryotes and eukaryotes. Nature 521, 173–179. doi:10.1038/nature14447. (https://www.nature.com/articles/nature14447)

Integrando conhecimentos científicos e tradicionais na conservação

A integração de conhecimentos científicos e tradicionais tem sido proposta na biologia da conservação. Quais são as razões e os desafios dessa integração?

O valor e a natureza dos conhecimentos tradicionais

A integração de conhecimentos científicos e tradicionais tem sido cada vez mais proposta em abordagens de conservação e manejo sustentável da natureza. Como um exemplo marcante, podemos citar o reconhecimento pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services/IPBES) e pela Convenção sobre a Diversidade Biológica (Convention on Biological Diversity/CBD) da importância de conhecimentos tradicionais e locais em avaliações e tomadas de decisão sobre a biodiversidade. Como escrevem em artigo recente Maria Tengö e colaboradores, aproximar sistemas de conhecimentos tradicionais/locais e científicos é de vital importância para o crescimento de nosso entendimento e para avanços éticos e práticos na direção de trajetórias mais sustentáveis de nossos sistemas socioecológicos.

Esta é uma mudança notável no modo como as relações entre conhecimentos tradicionais e científicos têm sido entendidas na antropologia, filosofia e ciências naturais. Historicamente, antropólogos e filósofos destacaram diferenças incomensuráveis entre sistemas de conhecimento. Mas a atenção se deslocou recentemente para ideias de integração e complementaridade de conhecimentos científicos e tradicionais, em campos como antropologia, etnobiologia e biologia da conservação. Isso reflete abordagens de conservação baseadas em comunidades e a compreensão de que, sem um entendimento mais profundo dos grupos humanos, as chances de sucesso em projetos de conservação são bem mais limitadas. Têm-se falado cada vez mais em co-manejo de ambientes locais e isso implica, naturalmente, práticas colaborativas que não são muito informadas por debates filosóficos sobre incomensurabilidade e descrições antropológicas de diferenças radicais entre conhecimento científico e tradicional. É tempo, pois, de abrir novas portas, buscando vias de integração entre esses conhecimentos, o que é tão estimulante quanto desafiador.

Nas ciências naturais, essas propostas de integração também abrem caminhos renovados. Desde o Iluminismo, ciências naturais e (em menor medida) sociais assumiram como “missão” a revisão crítica do conhecimento “local”, que seria supersticioso ou romântico. Não surpreende, assim, que as relações entre ciências e outras formas de conhecimento tenham sido reduzidas frequentemente a uma avaliação da coerência e consistência com o conhecimento científico, a quem caberia reivindicação hegemônica da verdade. Contudo, ao mesmo tempo se espoliava, em grandes expedições, como a de Alfred Russell Wallace e Henry Bates na Amazônia, conhecimentos tradicionais cujos autores não eram reconhecidos, de tal maneira que os conhecimentos se tornavam propriedade dos naturalistas que os haviam recolhido de diferentes grupos humanos, sem dar o devido crédito (com raras exceções).

Os Pankararé como exemplo

Conhecimentos tradicionais têm hoje sido reconhecidos por sistematizarem entendimento singular de ambientes locais. Caso sejam integrados a conhecimentos científicos, podem fornecer grande quantidade de informação e experiência previamente ignorada ou tratada como misticismo, como Raymond Pierotti e Daniel Wildcat reconheciam há quase vinte anos. Os estudos do etnoecólogo Fábio Bandeira, da Universidade Estadual de Feira de Santana, sobre os Pankararé, grupo indígena que habita o Raso da Catarina no sertão baiano, fornecem um belo exemplo, como mostra a dissertação de Isabel Fróes Modercin, orientada por ele no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFBA. O espaço habitado e vivido pelos Pankararé é organizado tanto pela visão de mundo desse grupo indígena, cujo território é simbolicamente mapeado por aspectos da paisagem entendidos como monumentos habitados por entidades chamadas de encantados, quanto por diferentes regimes de propriedade familiar e comunal da terra. Podemos falar, inclusive, de uma epistemologia simbólico-espacial dos Pankararé, um certo modo de entender o próprio conhecimento que define a coexistência e conexão de dois mundos que são expressos em termos espaciais, de maneira complementar, como discutido por mim e por Fábio em artigo publicado há uma década. Este artigo discutia se devemos ou não chamar conhecimento tradicional de “ciência”, questão que então me interessava, mas que hoje considero de importância muito menor do que o entendimento, mais basilar, de que temos sistemas de conhecimentos distintos do que denominamos “ciências modernas”, os quais podemos mobilizar, em alguma medida e não sem muitas questões a levantar, em maneiras de entender o mundo que buscam complementaridade com aquelas ciências.

A exata medida em que os Pankararé entendem o difícil ambiente em que vivem se expressa no modo como eles exploram o que este ambiente pode conceder de uma maneira que nos denominamos “sustentável”. Num estudo sobre a dinâmica da paisagem no território Pankararé, Fábio Bandeira e colaboradores utilizaram imagens do satélite Landsat de 1987 e 2001 para identificar mudanças de padrões de uso do solo e o grau de manejo das áreas vegetadas no território desse grupo indígena. Analisando a situação da terra indígena num intervalo de quase 15 anos, eles mostraram que a cobertura vegetal estava em sua maior parte relativamente bem conservada. Esse grau de conservação pode ser relacionado à maneira como os Pankararé manejam o uso do solo e limitam a exploração das áreas consideradas monumentos, sob a influência dos encantados, ou avozinhos do mato, ou dons. Estes são seres que, na cosmovisão indígena, não pertencem ao mundo natural. Estamos lidando, então, com a dimensão espiritual de sua visão de mundo, que se mostra de maneira notável em rituais como a Dança dos Praiás, um ritual xamânico que conecta os diferentes mundos da cosmovisão Pankararé. Durante o ritual, a vida e o território dos Pankararé são regulados pelos encantados, que diagnosticam doenças, prescrevem remédios oriundos de plantas da Caatinga e manejam o uso do que está disponível no Raso da Catarina, por exemplo, quantos animais existem ali e quantos podem ser caçados e onde.

Temos aí claro exemplo do que argumentam Pierotti e Wildcat: o conhecimento tradicional abriga, em seu entendimento do mundo natural, insights sobre alguns dos problemas mais urgentes da humanidade atual, os quais não carecem de bases empíricas, mas muitas vezes estão entremeados com uma dimensão espiritual. Torna-se questão de suma importância, então, como cientistas se relacionam com comunidades tradicionais e seus conhecimentos. Diferentes tipos de relações podem ser estabelecidos, alguns com sérios problemas de ordem ética e sociopolítica.

Como relacionar conhecimentos científicos e tradicionais/locais?

Há muitas maneiras de colocar em relação conhecimentos científicos e locais/tradicionais. Stephan Rist e Farid Dahdouh-Guebas, por exemplo, identificam seis atitudes distintas das ciências em relação ao conhecimento tradicional/local.

Uma relação possível é o simples desconhecimento de práticas baseadas em conhecimentos locais, como ocorre, por exemplo, quando um técnico agrícola não reconhece conhecimentos de agricultores locais ao introduzir alguma forma de plantio numa comunidade.

Outra atitude tem caráter utilitarista, aceitando elementos do conhecimento local que podem ser interpretados ou validados cientificamente, com o intuito de aumentar o repertório de conhecimentos científicos, mas negligenciando elementos que não guardam relação com ideias científicas. Um exemplo é encontrado no caso do ácido acetilsalicílico (popularmente chamado de aspirina), incorporado na medicina baseada na ciência a partir de conhecimentos e práticas dos antigos egípcios e gregos, mas sem considerar outras dimensões do conhecimento humano sobre as folhas do salgueiro (Salix), utilizadas pela humanidade há pelo menos 2400 anos, no âmago de diferentes culturas, cada uma com suas dimensões espirituais. Nesse caso, propriedade intelectual de comunidades tradicionais pode vir a ser apropriada sem o devido crédito e retorno a elas.

Numa atitude paternalista, por sua vez, o conhecimento tradicional é concebido como se necessitasse de atualização com base na ciência. Mais uma vez, há risco de apropriação indevida de conhecimentos tradicionais.

Essa apropriação se torna patente numa atitude neocolonial, na qual estudos científicos simplesmente tomam posse de conhecimentos tradicionais, como ocorre quando uma planta medicinal usada por algum grupo indígena é identificada por cientistas, sem reconhecimento de propriedade intelectual, e termina por chegar ao mercado como medicamento produzido pela indústria farmacêutica, a partir da identificação do princípio ativo.

Outra atitude é essencialista, considerando que o conhecimento local é fundamentalmente melhor do que o científico, devendo permanecer tal como é, sem influência da ciência e tecnologia contemporâneas. Aqui, o equívoco é assumir que conhecimento tradicional deve ser preservado em sua “forma pura”, como se fosse uma peça de museu, e não um produto de uma cultura que (como toda cultura) é fundamentalmente dinâmica. Nesse caso, o papel potencial das ciências contemporâneas no entendimento do mundo e empoderamento das comunidades tradicionais é infelizmente ignorado. Além disso, subscreve-se uma comparação absolutista de formas de conhecimento, que em meu entendimento carece de bases filosóficas apropriadas (seja quando a comparação considera as ciências modernas superiores, seja quando esse juízo é feito sobre os conhecimentos tradicionais/locais). Na minha visão, uma tal comparação somente pode ser feita quando há um uso do conhecimento em vista (mesmo que seja um uso como instrumento de pensamento).

Todas essas atitudes acima têm importantes problemas éticos e implicam desigualdades sociopolíticas. Qual seria então uma atitude mais apropriada? Em meu entendimento, uma atitude intercultural, na qual se busque interação ampla, diálogo que possa produzir conhecimento mais integrado, bem como empoderamento da comunidade tradicional com valorização de seu legado cultural e de como ele pode integrar-se com conhecimentos científicos (caso isso se mostre desejável, o que há de ser pensado caso a caso).

De uma perspectiva intercultural, busca-se o desenvolvimento de sistemas complementares de conhecimentos tradicionais e científicos, os quais podem ser postos em uso, por exemplo, na conservação e educação. Mas, para além de seu papel cognitivo e prático, uma perspectiva intercultural abriga maior potencial para cooperação baseada em respeito mútuo entre comunidades tradicionais e comunidades científicas, preservando a autonomia dos processos de produção de conhecimento e buscando possibilidades de diálogo e complementaridade. Isso contrasta com as simples confusões entre domínios do conhecimento que encontramos em pseudociências como o design inteligente, ou com atitudes passíveis de questionamento ético e sociopolítico que por vezes as comunidades científicas assumem, a exemplo da atitude neocolonial.

Questões interculturais

Entretanto, uma perspectiva intercultural não prescinde de pontos a serem ponderados com cuidado, como, por exemplo: primeiro, as relações entre as ciências e os conhecimentos locais/tradicionais dependem de posições éticas específicas. Elas não podem ser jamais pensadas como relações “livre de valores”. É necessário então, ao engajar-se numa perspectiva intercultural, reconhecer o papel dos valores na prática científica, de modo a colocar tais valores sob uma mirada crítica. A atitude de um cientista diante do conhecimento tradicional, por exemplo, é certamente dependente de como ele se posiciona valorativamente diante das comunidades tradicionais e do valor epistemológico do que conhecem sobre a realidade.

Segundo, mostra-se importante estabelecer, como argumentam Rist e Dahdouh-Guebas, o maior campo de interação possível entre diferentes tipos de conhecimentos. Isso implica que a interação deve ser baseada em processos de deliberação mútua, incluindo cientistas e comunidades tradicionais, e envolvendo dimensões inter-relacionadas de práticas, valores e visões de mundo. É necessária, ademais, concordância sobre princípios éticos fundamentais para o diálogo intercultural. O mais fundamental desses princípios pode ser formulado como segue: “eu aceito a possibilidade de que o outro esteja certo”. Uma perspectiva intercultural implica, assim, deslocar-se da competição e imposição de uniformidade no campo do conhecimento (seja na direção de uma hegemonia das ciências modernas, seja na direção de qualquer outra hegemonia, por exemplo, de alguma visão religiosa) para a busca de complementaridades e cooperação de formas distintas de conhecimento. O propósito de toda a empreitada se torna aprendizado mútuo para obter novos insights e não apenas confirmações do que já se sabe.

Terceiro, questões compartilhadas, de interesse comum, são condição importante para estabelecer diálogo intercultural. Será muito mais provável, por exemplo, alguma complementaridade entre conhecimento Pankararé e científico se forem partilhadas perguntas, digamos, sobre a dinâmica das populações que interagem com o grupo indígena no território que ele habita e maneja. O que os encantados e as ciências teriam a dizer sobre as dinâmicas populacionais? Haverá alguma complementaridade entre o que dizem? Haverá algum conflito? Quais conflitos e complementaridades?

Isso nos leva ao quarto e último ponto: responder a essas perguntas requer uma prática que podemos denominar diálogo inter-ontológico. Voltemos um pouco para trás no argumento para chegar a este ponto. Reconhecer o papel dos conhecimentos tradicionais na conservação, como parte dos biólogos da conservação tem feito, reflete uma tensão (bem vinda) entre uma visão tecnocrática da sustentabilidade, que legisla desde o gabinete a vida das comunidades nos ambientes em que vivem, e uma visão mais crítica (mas necessariamente equilibrada, que nem demonize, nem endeuse) das ciências e tecnologias contemporâneas, que implique maior ênfase sobre a diversidade cultural e a autonomia das comunidades. Claro, isso requer negociação entre partes interessadas (stakeholders), incluindo os cientistas. Nesses termos, um discurso sobre sustentabilidade se vincula a uma teoria emergente, socialmente construída, culturalmente moldada e compartilhada sobre “como as coisas são”.

Esta teoria sobre “como as coisas são” é uma ontologia. Uma ontologia estabelece o que é o ser e em quais categorias o ser se divide. Uma ontologia é uma teoria de todos os tipos de objetos e/ou processos que há, concretos e abstratos, existentes e não-existentes, reais e ideais. Ela é fundamental, assim, para qualquer epistemologia e, logo, para todo conhecimento que construímos. Sem ontologia, não há uma “mobília” do mundo que possamos conhecer. Não há, pois, conhecimento sem ontologia, de alguma natureza que seja. Muito debate desnecessário seria evitado se isso fosse mais conhecido entre cientistas e outras pessoas (a exemplo dos defensores do design inteligente). A título de exemplo, considere-se uma ontologia de partículas, dominante no Ocidente devido ao legado da antiguidade greco-romana, na qual as coisas têm prioridade ontológica sobre os processos. Ou seja, as coisas são e então (secundariamente) participam de processos. Agora, compare-se esta com uma ontologia de processos, na qual os processos são (prioritariamente) e eventualmente convergem por um certo tempo (secundariamente) em coisas. Está claro que se estivermos engajados num processo de negociação social e aprendizagem coletiva de distintas partes interessadas, no qual se busca, digamos, algum campo compartilhado de conhecimentos entre uma visão de mundo fundada numa ontologia de partículas e outra fundada numa ontologia de processos, estaremos engajados no que podemos chamar de diálogo inter-ontológico.

Não pode haver dúvida de que este é um diálogo complexo, mas necessário, porque nossas escolhas ontológicas têm consequências. Elas não poderiam deixar de ter, porque propiciam meios de entender a realidade e de se posicionar normativamente, ou seja, de julgar o que se deve ou não fazer, conforme determinados conjuntos aceitos de normas. Por exemplo, uma ontologia que coloca o ser humano no centro de todas as coisas (a exemplo de várias tradições de pensamento) implica uma ética antropocêntrica, que transparece, por mais bem intencionados que sejam, em discursos atuais que se amparam em ideias como as dos “recursos naturais” (para nós), do “desenvolvimento sustentável” (de nossas sociedades), dos “serviços ecossistêmicos” (de que nós nos beneficiamos). Esta ética, por sua vez, se vincula a certas práticas, como, por exemplo, a de buscar soluções para o crescimento econômico do atual sistema de produção e consumo, com sustentabilidade, ou seja, na melhor das hipóteses, com manutenção de recursos naturais e serviços ecossistêmicos. É evidente, malgrado discursos naturalizantes (mas sempre socialmente construídos), que poderíamos pensar de maneira diferente as nossas práticas, caso fossem assumidos outros valores, amparados em distintas ontologias.

Escolhas ontológicas, epistemológicas, metodológicas e éticas têm consequências. Por isso, é parte da responsabilidade social do cientista preocupar-se com quem faz as escolhas e quais escolhas são feitas, nas negociações sociais em que estamos constante (mas incompleta e desigualmente) envolvidos. Trata-se de abandonar o mito das ciências modernas como sistemas de conhecimento universal, autônomo, livre de valores, que, quando impostos sem atenção a conhecimentos locais, resultaram em fracassos e até violência simbólica. Mas isso de modo equilibrado, sem descuidar da contribuição das ciências modernas, com seus modelos e teorias gerais, e do impacto positivo que tiveram e têm sobre as vidas humanas. Não obstante, sem também descuidar dos impactos negativos de tais ciências, a exemplo de seu papel em regimes totalitários e bélicos, e em processos discriminatórios (do racismo ao planejamento de cima para baixo da vida das pessoas, por exemplo, em projetos de conservação que não levam em conta comunidades locais). A história é testemunha de uma coisa e de outra, criando sérias dificuldades para leituras maniqueístas das relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente.

Porque nossas escolhas ontológicas têm consequências, propiciando meios de entender a realidade e de se posicionar normativamente, e porque soluções para problemas como os socioambientais requerem negociação entre visões diferentes, o diálogo inter-ontológico se torna inescapável. Reconhecer isso é um bom primeiro passo para reconhecer diferenças entre sistemas de conhecimento (em vez de se lançar em aventuras pseudocientíficas – ou pseudotradicionais – que somente tornam mais confuso o diálogo) e, feito isso, reconhecer processos de imposição e violência simbólica que podem acontecer de parte a parte. Com esses reconhecimentos no lugar, o próximo passo é engajar-se no diálogo inter-ontológico. Mas como?

Devo deixar isso para a próxima postagem, na qual pretendo escrever sobre algumas ideias acerca de como avançar no diálogo inter-ontológico, bem como sobre o que acontece nos espaços de encontro e desencontro entre pesquisadores e comunidades locais. Em suma, deixo-os com as cenas dos próximos capítulos…

 

Charbel N. El-Hani

Instituto de Biologia/UFBA

 

PARA SABER MAIS:

El-Hani, C. N. & Bandeira, F. P. S. F. (2008). Valuing indigenous knowledge: To call it “science” will not help. Cultural Studies of Science Education 3: 751-779.

Modercin, I. F. (2010). Rancho do Jatobá do meio do mundo: etnografia da agricultura Pankararé e a relação dos índios com o ambiente. Salvador-BA: Programa de Pós-Graduação em Antropologia/UFBA.

Pierotti, R. & Wildcat, D. (2000). Traditional ecological knowledge: The third alternative. Ecological Applications 10: 1333-1340.

Rist, S. & Dahdouh-Guebas, F. (2006). Ethnosciences––A step towards the integration of scientific and indigenous forms of knowledge in the management of natural resources for the future. Environment, Development and Sustainability 8: 467-493.

Tengö, M. et al. (2017). Weaving knowledge systems in IPBES, CBD and beyond—lessons learned for sustainability. Current Opinion in Environmental Sustainability 26-27:17–25.

Imagem: Índios Pankararé. Foto de Alcivandes Santos Santana, disponível em: http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/10/gato-o-sanguinario-cangaceiro.html

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