Alan Turing na palma da mão

A repetição de formas simples produz alguns dos padrões mais belos da natureza. Pintas na pele das onças e listras na pele das zebras, por exemplo. Há 65 anos, o matemático inglês Alan Turing propôs modelos para explicar estas formas periódicas. Hoje, com a ajuda dos computadores modernos, vemos que eles podem explicar mais do que esperávamos, incluindo o desenvolvimento e a evolução dos nossos dedos.

Turing é mais conhecido como precursor da ciência da computação, e herói da segunda guerra mundial pela decodificação de mensagens criptografadas dos alemães. Matemático brilhante, ele fez uma incursão tardia na biologia em um artigo chamado “As bases químicas da morfogênese”. Nesse artigo, Turing propôs modelos de reação-difusão que mostravam como duas substâncias, inicialmente distribuídas homogeneamente, poderiam se auto-organizar em padrões como pintas e listras. Seu modelo considerava duas substâncias hipotéticas, que ele chamou de morfogenes, atuando como ativadores e/ou inibidores uma da outra. Por exemplo, a substância A ativando a produção B e a substância B inibindo a produção de A (Figura 1). Em um sistema como esse, o surgimento de um padrão periódico complexo dependerá da taxa de difusão de cada substância (Figura 1 e 2).

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Figura 1: Substâncias em difusão que atuam como ativadoras e inibidoras uma da outra podem gerar um padrão periódico complexo como, por exemplo, listras.
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Figura 2: Simulação de um mecanismo de Turing gerando pintas.

O poder teórico desses modelos para explicar certos padrões biológicos era evidente, mas não havia possibilidade de aplicação concreta no tempo de Turing. Atualmente, na era da biologia molecular, e com o auxílio dos computadores modernos, os modelos permitem abordar dois temas centrais no estudo do desenvolvimento embrionário: a regulação da transcrição do DNA, inibindo ou ativando a produção de proteínas, e a sinalização intercelular, principalmente através de proteínas secretadas pelas células.

Olhe para a sua mão e imagine seus dedos como listras que se formam em um tecido inicialmente homogêneo. É exatamente isso que acontece antes da formação do esqueleto. A princípio, existem apenas bandas de diferentes proteínas que correspondem aos dedos ou aos espaços entre os dedos (Figura 3). Há cerca de 30 anos, pesquisadores propuseram que os modelos de Turing poderiam explicar o desenvolvimento destas bandas, mas não se conhecia quais moléculas poderiam estar envolvidas. Recentemente, um artigo publicado pelo grupo de James Sharpe, de Barcelona, identificou duas vias de sinalização que atuam como ativadores e inibidores durante o desenvolvimento dos dedos (Figura 3). O mecanismo foi proposto baseado em métodos de modelagem matemática e investigação do transcriptoma.

A partir do modelo, malformações como polidactilia (mais de cinco dedos) e variações naturais como a redução do número dedos em cavalos e aves, podem ser explicadas como variações nos tamanhos das bandas e/ou na forma do tecido em que as bandas são produzidas. Mais recentemente, em outro artigo, o mesmo grupo mostrou como estes modelos ajudam também a entender a evolução de braços e pernas a partir de nadadeiras de peixes durante a conquista do ambiente terrestre pelos vertebrados.

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Figura 3: As vias de sinalização BMP e WNT interagem, por intermédio do fator de transcrição SOX9, em um mecanismo de Turing que controla o desenvolvimento dos dígitos. Modificado de Onimaru e colegas.

Atualmente a maioria dos pesquisadores aceita que o mecanismo proposto por Turing regula o desenvolvimento do esqueleto dos membros dos vertebrados, substituindo o modelo antes hegemônico baseado em um sistema de coordenadas posicionais.

Em 1952, mesmo ano em que Alan Turing propôs o modelo de reação-difusão, ele foi condenado por atos homossexuais, na época considerados crime no Reino Unido. Submetido a castração hormonal, uma das mentes mais brilhantes da história da ciência cometeu suicídio em 1954.

O reconhecimento do poder de suas ideias em biologia matemática teve de esperar avanços da biologia molecular e dos computadores que ele ajudou a inventar.

Reminiscências de como a medida completa da estupidez e da genialidade humana é filha do tempo.

João F. Botelho (Yale University)

Para saber mais:

Hiscock TW, Tschopp P, Tabin CJ. On the Formation of Digits and Joints during Limb Development. Developmental Cell.41(5):459-65.

Newman, Stewart A., and H. L. Frisch. “Dynamics of skeletal pattern formation in developing chick limb.” Science 205.4407 (1979): 662-668.

Onimaru, Koh, et al. “The fin-to-limb transition as the re-organization of a Turing pattern.” Nature communications 7 (2016).

Raspopovic, Jelena, et al. “Digit patterning is controlled by a Bmp-Sox9-Wnt Turing network modulated by morphogen gradients.” Science 345.6196 (2014): 566-570.

Sheth R, Marcon L, Bastida MF, Junco M, Quintana L, Dahn R, et al. Hox genes regulate digit patterning by controlling the wavelength of a Turing-type mechanism. Science. 2012;338(6113):1476-80.

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