Aproximadamente metade da população mundial comunica-se através de línguas derivadas do tronco protoindo- europeu. Alemão, português, búlgaro, hindi, grego, persa e outras línguas eram há 4.500 uma língua única, falada pelos habitantes das estepes asiáticas, situadas ao norte dos mares Negro e Cáspio. Nesta mesma região, há cerca de 5.000 anos, esse mesmo povo, ou povos, passou a domesticar uma espécie de cavalo, e partir de então a história da humanidade foi transformada, a galope.
Embora vários animais tenham sido domesticados pela nossa espécie, e tenham se tornado nossos aliados importantes para sobrevivência, é difícil pensar em outro animal que tenha tido tanto impacto na história evolutiva humana como o cavalo. A domesticação desses animais permitiu que as pessoas, seus idiomas e suas ideias se movessem mais rápido do que antes, levando à expansão da agricultura e à formação de impérios.
O cavalo influenciou inclusive nossa maneira de vestir. A cultura ocidental é fortemente influenciada pela cultura grega e romana. Tradicionalmente, os romanos usavam túnicas. Essa vestimenta cai em desuso quando os romanos tentam conquistar os povos do norte da Europa e percebem que estes usavam calças, um traje muito mais confortável para longas cavalgadas.
O cavalo é um animal que combina características importantes, tais como força, tamanho, velocidade (seis vezes mais rápido que os humanos) e facilidade de manutenção (são herbívoros), que impulsionaram o seu processo de domesticação. Era o animal ideal para atravessar grandes distâncias, era apropriado para trabalhos pesados e poderia ser usado como fonte de alimento se necessário.
Além da diversidade linguística que temos hoje ter sido moldada pelo manejo dos cavalos, os grandes impérios da antiguidade foram conquistados no lombo desse animal. Alexandre III da Macedônia, Gengis Khan e seus descendentes, Kublai e Böke, imperadores romanos, dentre outros, estenderam seus territórios até um limite de terras que equivale à catorze dias de distância do centro imperial, para qualquer direção. Nenhum grande império antigo passou dessa extensão. O império Mongol, embora fosse 4 vezes maior que o império romano, era por sua vez dividido em quatro zonas interdependentes, cada uma dela equivalente ao tamanho do império romano. Pode-se dizer que por 4 mil anos esses animais tornaram essas civilizações possíveis.
Na América, impérios sofisticados com agricultura e saneamento bem estabelecidos, não passaram de apenas uma fração territorial dos impérios asiáticos e europeus. Os grandes impérios americanos (Inca, Maya e Asteca) se caracterizaram pela não domesticação de grandes mamíferos, apesar do grande desenvolvimento da agricultura. No império Inca, por exemplo, as comunicações entre as cidades eram realizadas pelos Chasquis, exímios corredores que eram a fonte do intercambio dentro dos limites imperiais.
Os cavalos, no entanto, são originalmente americanos, oriundos das pradarias norte-americanas. Essa espécie ainda selvagem, atravessa a ponte de terra da Beríngia durante a última glaciação, e passa a habitar a Sibéria e regiões adjacentes. Os animais que aqui ficaram foram extintos pelos primeiros nativos que chegaram à América, sendo usados como alimento. Milênios depois, a conquista da América pelos europeus deve-se ao uso do cavalo e armas durante os séculos XV e XVI. Alguns nativos posteriormente apoderaram-se desses animais, e os integraram à sua cultura, como os Charruas e Minuanos da pampa gaúcho, e os Comanches do sul dos Estados Unidos.
A história da domesticação dos cavalos se confunde com a própria histórica da nossa civilização, sendo responsável pela ascensão de grandes impérios, bem como pelo declínio de outros tão importantes quanto. Além disso, foi a peça fundamental para a diversificação linguística euroasiática, e assim consequentemente pela diversificação biológica, ou genética, desses povos.
Tábita Hünemeier (USP)
PARA SABER MAIS:
Anthony, D. (2010) The Horse, the Wheel, and Language: How Bronze-Age Riders from the Eurasian Steppes Shaped the Modern World. Princeton University Press, 576pp.
Damgaard et al. (2018) The first horse herders and the impact of early Bronze Age steppe expansions into Asia. Science, 2018; doi: 10.1126/science.aar7711
Orlando, L (2020) Ancient Genomes Reveal Unexpected Horse Domestication and Management Dynamics. Bioessays. doi: 10.1002/bies.201900164:
Pruvost et al. (2011) Genotypes of predomestic horses match phenotypes painted in Paleolithic works of cave art. PNAS November 15, 2011 108 (46) 18626-18630; doi: https://doi.org/10.1073/pnas.1108982108.