Observando a Evolução em tempo real

Quantas gerações você é capaz de voltar atrás e saber quem eram seus parentes mais antigos? Será que consegue resgatar o nome da tataravó da sua tataravó? A rainha Elizabeth da Inglaterra tem o registro de 32 gerações. O filósofo chinês Confúcio tem o maior registro genealógico humano conhecido, 80 gerações. E se fossemos capazes de voltar mais de 70 mil gerações? Que perguntas poderíamos responder?

Entendemos que os processos evolutivos demoram tempo para acontecerem, as vezes milhares ou até mesmo milhões de anos. Sabemos também que pequenas variações (ou mutações) podem se acumular de geração em geração e que essas pequenas variações podem trazer inovações, os tornando mais aptos para sobreviver em ambientes diferentes (ou até mesmo no mesmo ambiente). Utilizando esse raciocínio, o biólogo evolucionista Prof. Richard Lenski desenvolveu e dá manutenção a um grande experimento para avaliar/observar a evolução em tempo real. O experimento é chamado de LTEE (do inglês Long Term Evolution Experiment) e se baseia na replicação de doze culturas de Bactérias da espécie Escherichia coli, que comumente habitam nosso intestino, sucessivamente desde 1988. Hoje o experimento tem mais de 70 mil gerações e já deu muitos insights e avanços científicos importantes. Para fazermos um paralelo, nos humanos temos aproximadamente 12 mil gerações de história evolutiva na Terra. Uma grande vantagem dessa abordagem é que podemos congelar as bactérias e depois revivê-las. Isso nos dá a possibilidade de colocar a bactéria das mais novas gerações para competir com as mais antigas. Os primeiros resultados dos trabalhos mostraram que as novas gerações são mais adaptadas e puderam desenvolver habilidade de “comer” um novo tipo de comida. Em uma série de estudos publicados ao longo do experimento LTEE, diversos mecanismos genéticos foram dissecados e bem explicados pelos pesquisadores. Cabe ressaltar que hoje podemos compreender com detalhes esses mecanismos mais facilmente graças a capacidade que temos de sequenciar os genomas das bactérias e interpreta-los. Para quem tiver interesse, no site do laboratório dele, podemos acompanhar quantas gerações de E. coli estão evoluindo em tempo real.

No livro “Evolução: o sentido da Biologia” os professores Charbel El-Hani e Diego Meyer, ambos aqui do Darwinianas, é ilustrado outro grande exemplo de como podemos flagrar o processo evolutivo ocorrendo: o surgimento de resistência a antibióticos. Aqui quero ilustrar como outro pesquisador, o Prof. Roy Kishony,  observou esse processo ocorrer em um experimento laboratorial. O experimento consistiu em uma placa com ágar gigante retangular com quantidades de antibióticos crescendo em ordens de grandeza das extremidades para o centro e E. coli. São impressionantes as imagens em time lapse das colônias se expandindo e ocupando o centro da placa que tinham concentrações absurdas de antibiótico (mais de mil vezes mais do que a linhagem de E. coli inoculada era capaz de viver). Com o tempo mutantes puderam ser observados crescendo na placa até ocupar toda a extensão da placa. Isso foi possível graças a mutações pontuais que algumas células sofreram e que garantiram resistência ao antibiótico.

Os resultados destes incríveis experimentos, trazem contribuições importantes para a biologia evolutiva e para os avanços da compreensão dos mecanismos genéticos envolvidos na evolução. Com esses resultados, podemos prever quando esses eventos ocorrerão. Compreender como ocorre a evolução das bactérias pode salvar vidas, visto o grave problema que a humanidade enfrenta com o surgimento de superbactérias atualmente. Utilizando abordagens relativamente simples de microbiologia, com microrganismos muito bem conhecidos, diversas perguntas básicas e gerais sobre a evolução tem sido respondidas. Quais serão as próximas perguntas a serem respondidas?

Pedro Milet Meirelles

Laboratório de Bioinformática e Ecologia Microbiana

Instituto de Biologia da UFBA

meirelleslab.org

 

Para Saber mais:

Elena, Santiago F., and Richard E. Lenski. “Microbial genetics: evolution experiments with microorganisms: the dynamics and genetic bases of adaptation.” Nature Reviews Genetics 4, no. 6 (2003): 457.

Good, Benjamin H., Michael J. McDonald, Jeffrey E. Barrick, Richard E. Lenski, and Michael M. Desai. “The dynamics of molecular evolution over 60,000 generations.” Nature 551, no. 7678 (2017): 45.

Bush, Karen, Patrice Courvalin, Gautam Dantas, Julian Davies, Barry Eisenstein, Pentti Huovinen, George A. Jacoby et al. “Tackling antibiotic resistance.” Nature Reviews Microbiology 9, no. 12 (2011): 894.

(Imagem: https://www.extremetech.com/extreme/219420-what-is-the-antibiotic-apocalypse-and-can-it-be-avoided)

Uma consideração sobre “Observando a Evolução em tempo real”

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

%d blogueiros gostam disto: