Biomas de zonas áridas cobrem mais de 40% da superfície terrestre atualmente. Essas regiões caracterizam-se, principalmente pela falta de água, resultado de chuvas irregulares e escassas. Apesar da pouca importância dada a esses biomas, assunto discutido em uma postagem anterior (As Florestas Esquecidas), as zonas áridas abrigam 7 dos 25 hotspots de biodiversidade mundiais. O termo hotspots de biodiversidade refere-se a regiões que possuem uma concentração excepcional de espécies endêmicas e que, ao mesmo tempo, estão sofrendo grande (e rápida) destruição. Curiosamente, 90% dos habitantes das zonas áridas (contingente populacional estimado em 2 bilhões de pessoas), localizam-se em países em desenvolvimento.
Esforços recentes para o mapeamento das áreas de florestas de zonas áridas, as chamas florestas secas, revelaram um dado interessante. Com base em análise cuidadosa de imagens de satélite de alta resolução temporal e espacial, Bastin e colaboradores demonstram que mais de 1 bilhão de hectares da superfície terrestre está recoberto por florestas secas, uma estimativa que aumenta em 467 milhões de hectares as áreas dominadas por essas florestas (Figura 1).

Essa nova descoberta aumenta em quase 10% as estimativas atuais de cobertura florestal da Terra. No entanto, o impacto das mudanças climáticas sobre as florestas secas nos remete a projeções futuras preocupantes.
Florestas secas de Pinus ponderosa (Figura 2b), espécie também conhecida como pinheiro amarelo do oeste, ocupam grandes regiões do oeste da América do Norte (Figura 2a), incluindo o oeste do Canadá e dos Estados Unidos. P. ponderosa é umas das principais espécies encontradas nas florestas secas norte americanas em termos de extensão e suas florestas estão associadas a um ciclo de fogo de aproximadamente 10 anos (para saber mais sobre os efeitos do fogo nos ecossistemas, leia “O fogo e a biodiversidade: os dois lados de uma mesma moeda”). Devido à abundância de dados a respeito da distribuição dessas florestas, assim como a respeito da fisiologia reprodutiva dessa espécie, um estudo recente utilizou as florestas secas de Pinus ponderosa para investigar o impacto das mudanças climáticas na regeneração de florestas secas no século XXI.
Os autores basearam-se em dados meteorológicos e projeções climáticas para 47 regiões de florestas secas de Pinus ponderosa e, levando em consideração aspectos da ecologia dessas florestas, estimaram o potencial de regeneração florestal para o meio (2020-2059) e o final (2060-2099) do corrente século. Curiosamente, os autores observaram que em um futuro próximo (meados do século XXI), o potencial de regeneração das florestas de Pinus ponderosa será 50 % maior do que aquele observado nas décadas anteriores (1910-2014). No entanto, com o aumento substancial das temperaturas até o final do século, o potencial de regeneração dessas florestas voltará a cair para níveis menores do que os observados hoje e é esperado que os anos entre 2060-2099 tenham regeneração florestal muito baixa.

Apesar de ainda necessitarmos de mais estudos em outras florestas secas e com outras espécies importantes, os dados apresentados por Petrie e colaboradores são um tanto alarmantes. As mudanças climáticas provavelmente levarão a uma redução na capacidade de regeneração de florestas secas que, somadas a um aumento de temperatura global, poderão levar a um aumento substancial dos processos de desertificação em zonas áridas. Se levarmos em consideração que as áreas de florestas secas são mais amplas do que antevimos, segundo Bastin e colaboradores, o impacto das mudanças climáticas na velocidade de desertificação em zonas áridas será ainda mais amplo e significativo.
Localizado nas regiões Nordeste e Sudeste (norte de Minas Gerais), o bioma Caatinga, uma das principais zonas semi-áridas do país e de ocorrência exclusiva no Brasil, ocupa 10% do território nacional e é, em termos de desmatamento, o terceiro bioma mais degradado, atrás apenas da Floresta Atlântica e do Cerrado.
A conclusão inevitável desses estudos é um panorama futuro no qual, atrelado a um constante aumento populacional, os processos de desertificação tenderão a se acentuar, intensificados pelo aumento da escassez de água nessas regiões e pela redução da cobertura vegetal. As populações humanas que habitam essas áreas, que atualmente já estão entre aquelas de menor índice de bem-estar, tenderão a viver em condições ainda mais precárias. No Brasil, esse panorama seria não menos dramático, pois esses efeitos da desertificação seriam sentidos justamente nessas regiões, que hoje mais sofrem os efeitos da seca.
Ana Maria Almeida
(Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Prof. Milton Santos/UFBA;
California State University East Bay/Hayward)
Para saber mais:
Hansen, J; Sato, M. (2016). Regional climate change and national responsibilities. Environmental Research Letters 11(3): 061001.
Hughes, C. E. (2017). Are there many different routes to becoming a global biodiversity hotspot? PNAS 114(17): 4275-4277.
Maestre, F.T.; Eldridge, D.J.; Soliveres, S.; Kéfi, S.; Delgado-Baquerizo, M.; Bowker, M.A.; García-Palacios, P.; Gaitán, J.; Gallardo, A.; Lázaro, R.; Berdugo, M. 2016. Structure and Functioning of Dryland Ecosystems in a Changing World. 47: 215-237.
Safriel, U.; Adeel, Z. et al. (2005). Dryland Systems. In: Millenium Ecosystem Assessment Report. http://www.millenniumassessment.org/en/index.html
Springmann, M.; Mason-D’Croz, D.; Robinson, S.; Garnett, T.; Godfray, H.C.J.; Gollin, D.; Rayner, M.; Ballon, P.; Scarborough, P. (2016). Global and Regional Health Effects of Future Food Production Under Climate Change: a modeling study. The Lancet, 387(10031): 1937-1946.