Biomas são regiões do globo que possuem clima similar, principalmente em termos de temperatura e pluviosidade, além de possuírem também biota semelhante. Em geral, os biomas podem ser aquáticos ou terrestres e os principais são: os biomas marinhos, os biomas de água doce, os desertos, os campos de gramíneas, as tundras e as florestas. Essa classificação geral abriga, no entanto, subclassificações. Por exemplo, os campos de gramíneas incluem tanto os campos de gramíneas tropicais e temperadas quanto as savanas africanas. (Para saber mais sobre os biomas da Terra, vale a pena acessar WorldBiomes.com).
A mesma subclassificação ocorre com os biomas de florestas. Um dos biomas mais conhecidos mundialmente, devido às suas altas taxas de diversidade e endemismo de espécies, é o das Florestas Tropicais Úmidas, como a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica. Já as Florestas Tropicais Secas ganharam, historicamente, muito menos atenção.
As Florestas Tropicais Secas são regiões de vegetação densa, geralmente cobrindo solos férteis, porém em áreas de poucas chuvas. São também conhecidas como matas secas, caatingas arbóreas, ou florestas estacionais deciduais, e em geral, recebem menos de 1.800mm de chuva por ano, com longos períodos (3 a 6 meses) nos quais a precipitação fica abaixo de 100mm ao mês.
Encontramos Florestas Tropicais Secas em quase todos os continentes do globo (Figura 1). No Brasil, elas são encontradas, principalmente, nas áreas de cerrado e caatinga. Como podemos observar no mapa apresentado na Figura 1, essas florestas têm distribuição global ampla, porém fragmentada.

Essas florestas estão atualmente entre os biomas mais ameaçados, com menos de 10% do seu território original preservado em diversos países. Segundo a Rede Latino Americana de Florística de Florestas Tropicais Secas (Latin American Seasonally Dry Tropical Forest Floristic Network, DRYFLOR) apenas 1.2% do total das áreas de caatinga estão em áreas de conservação, quando comparados a 9.9% da Amazônia brasileira. Além disso, devido ao solo fértil, o bioma das Florestas Tropicais Secas acaba por concentrar um contingente populacional significativo, gerando grandes pressões antrópicas. As principais pressões antrópicas nessas áreas são decorrentes da retirada de madeira para geração de energia e, mais recentemente, da expansão agrícola, principalmente pelos cultivos de cana-de-açúcar, arroz e soja, e da expansão da pecuária.
Em um estudo recente publicado na revista Science, cientistas debruçaram-se sobre um grande banco de dados de espécies de centenas de áreas de Florestas Tropicais Secas da América Latina. O estudo buscou avaliar as relações florísticas entre áreas disjuntas de florestas secas neotropicais em 835 localidades, englobando 147 famílias de plantas de 984 gêneros e 4.660 espécies. As análises de ordenação e agrupamento desses inventários de espécies, principalmente arbóreas e arbustivas, identificou 12 agrupamentos florísticos, que podem ser observados na Figura 2.

Em termos gerais, esses 12 agrupamentos florísticos podem ser organizados em dois grupos mais amplos: o conjunto sul, formado principalmente pelos agrupamentos Caatinga, Brasil Central, Misiones e Piedmont; e o conjunto norte, formado pelo restante dos agrupamentos. Os autores consideram que essa clara divisão entre conjuntos norte e sul pode ser consequência da barreira à movimentação de espécies imposta principalmente pela Amazônia. Esse fenômeno pode ser observado na Figura 2, pela extensa área ‘vazia’ do mapa, na região norte do Brasil, onde encontramos a Floresta Amazônica.
Entre os 12 agrupamentos florísticos encontrados, os agrupamentos do Brasil Central, da Caatinga e do México são os que apresentam a maior quantidade de espécies, com 1.344, 1.112, e 1.072 espécies, respectivamente. A diversidade regional de espécies é provavelmente influenciada tanto pela área ocupada de floresta seca, como pela idade da floresta, fenômeno conhecido como ‘efeito tempo-área’.
No entanto, o dado mais interessante apresentado pelos autores é, talvez, a diversidade de espécies encontrada entre os vários agrupamentos florísticos. De uma região para outra, há uma modificação acentuada no perfil de espécies vegetais de porte arbóreo e arbustivo, e entre 23 e 73% das espécies são encontradas exclusivamente em um agrupamento. Por exemplo, os grupos florísticos dos Andes, a despeito da proximidade geográfica, apresentam entre 30 e 40% de espécies exclusivas. Além disso, nenhuma espécie está presente em todos os agrupamentos florísticos, e apenas 3 espécies estão presentes em 11 agrupamentos, enquanto nove espécies estão presentes em 10.
É bastante provável que as espécies exclusivas dos vários agrupamentos florísticos sejam endêmicas dessas localidades. No entanto, estudos fora das áreas de Florestas Tropicais Secas ainda precisam ser conduzidos para que essas espécies exclusivas sejam classificadas como endêmicas de modo mais conclusivo.
Em termos de conservação das Florestas Tropicais Secas, a principal implicação desses resultados é que, dada a heterogeneidade e singularidade das várias localidades estudadas, os esforços de conservação precisam ser regionalizados. Assim, os vários países precisam desenvolver políticas de conservação que levem em consideração o caráter único desses biomas, em suas várias localidades.
Apenas 14% das áreas incluídas nesse estudo estão atualmente sob algum regime de conservação ambiental. Com base nos dados apresentados pelo estudo, que incluem altas taxas de diversidade de espécies, altas taxas de endemismo em potencial e grande diversidade florística, as medidas atuais de conservação dessas florestas esquecidas estão muito aquém do necessário.
Ana Maria Almeida
(Instituto de Biologia/UFBA;
California State University East Bay/Hayward)
Para saber mais:
Menino, G.C.O.; et al. 2015. Florística e Estrutura de Florestas Tropicais Sazonalmente Secas. CERNE, 21(12): 277-292.
FAO. 2000. Management of Natural Forests in Dry Tropical Zones. FAO Conservation Guide 32. ISBN 92-5-103970-4
Vieira, D.L.M. & Scariot, A. 2006. Principles of Natural Regeneration of Tropical Dry Forests for Restoration. Restoration Ecology, 14(1): 11-20.
Portillo-Quintero, C.A. & Sánchez-Azofeifa, G.A. 2010. Extent and conservation of tropical dry forests in the Americas. Biological Conservation, 143(1): 144-155.
Adler, PB; Lauenroth, WK. 2003. The power of time: spatiotemporal scaling of species. Ecology Letters, 6(8): 749-756.
Ellis, EC.; et al. 2010. Anthropogenic transformation of the biomes, 1700 to 2000. Global Ecology and Biogeography, 19(5): 589-606.
Ellis, EC; Ramankutty. 2008. Putting people in the map: anthropogenic biomes of the world. Frontiers in Ecology and the Environment. 6(8): 439-447.
Figura: Floresta Tropical Seca do Norte de Minas Gerais (Foto: Agência de Notícias – Embrapa, https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/1498995/workshop-discute-ecologia-das-florestas-tropicais-secas-do-norte-de-minas-gerais)
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