Indicadores precoces de mudanças críticas são importantes para gestão de sistemas socioecológicos

Sinais ou indicadores de pontos críticos nos quais mudanças catastróficas podem ocorrer são muito importantes na gestão de sistemas socioecológicos.

Não é difícil reconhecer a importância de saber se uma sociedade está ameaçada por alguma mudança catastrófica. Por exemplo, se mudança no comportamento de reservatórios pode interromper, súbita e drasticamente, o fornecimento de água, como ocorreu na cidade de São Paulo (ver artigo de pesquisadores da UNESP e da USP a este respeito aqui). Para entender tais mudanças, temos de considerar a relação íntima entre nossas sociedades e os sistemas e processos ecológicos. Isso torna mais produtivo pensar em sistemas socioecológicos, sem separações que ainda dominam discursos sobre sociedade e natureza. 

Na tentativa de entender sistemas socioecológicos, o conceito de resiliência tem merecido atenção, como discutido por exemplo em livros como Resilience thinking. Esse conceito oferece quadro teórico para a compreensão da dinâmica de sistemas socioecológicos que se mostra útil para sua gestão.

Mas o que significa “resiliência”? No campo da Ecologia, uma definição muito influente, denominada por Buzz Holling “resiliência ecológica”, se refere à capacidade de um sistema de absorver perturbação sem sofrer mudança para outro regime de comportamento.

O conceito de resiliência ecológica indica que sistemas socioecológicos podem sobreviver a perturbações sem mudanças dramáticas. Até certa magnitude e duração das perturbações, há uma relação não-linear entre causa (perturbação) e efeito (impacto): o efeito é significativamente menor do que a causa. Mas isso ocorre até certo limite. Acima de determinada magnitude e duração das perturbações, alcançamos um limiar de resiliência e o sistema sofre súbita e catastrófica mudança de comportamento.

Sinais ou indicadores que tornem possível inferir se tais mudanças catastróficas são prováveis se mostram importantes para a gestão dos sistemas socioecológicos. Em especial, são importantes indicadores precoces, detectáveis num tempo suficientemente anterior à mudança crítica, permitindo intervenção no sistema socioecológico para evitar catástrofes.

Este é o tema de artigo recente de Marten Scheffer e colaboradores, Generic Indicators of Ecological Resilience: Inferring the Chance of a Critical Transition (Indicadores genéricos de resiliência ecológico: inferindo a chance de uma transição crítica), publicado em Dezembro de 2015 em Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics.

Em sistemas socioecológicos, pontos críticos de transição, nos quais mudanças catastróficas – e de difícil reversão – podem ocorrer, são a regra (ver artigo de Selkoe e colaboradores, de 2015). Diante de tais mudanças, indicadores genéricos, dependentes de propriedades gerais da dinâmica dos sistemas, e não de conhecimento detalhado sobre um tipo de sistema, são especialmente importantes. Afinal, eles dependem menos de conhecimento que pode não estar disponível.

Scheffer e colaboradores discutem vários desses indicadores, mas enfocaremos aqui aqueles relativos a sistemas que geralmente se encontram fora do equilíbrio, nos quais perturbações frequentemente causam grandes flutuações. Esses sistemas passam, portanto, mais tempo em estados transientes e instáveis do que em estados estáveis. Sistemas socioecológicos são tipicamente dessa natureza. Devido às grandes flutuações sofridas por esses sistemas, eles exibem estados estáveis alternativos e passam frequentemente de um estado estável a outro, exibindo um fenômeno conhecido como oscilação (flickering) (um exemplo pode ser visto aqui).

Torna-se importante então compreender qual fração de tempo o sistema passa em cada estado (ou regime de comportamento) e a frequência das mudanças de regime, o que depende da resiliência relativa dos diferentes regimes e da magnitude das flutuações resultantes de perturbações.

Para caracterizar a resiliência relativa, pode-se analisar distribuição de probabilidades dos estados do sistema, no que se denomina análise potencial (potential analysis. Ver artigo de Scheffer e colaboradores, de 2012). A probabilidade de um estado corresponde à frequência na qual aparece numa série temporal. Se plotarmos essa frequência num histograma, podemos construir uma paisagem de estabilidade, mostrando quantos e quais são os regimes estáveis do sistema, como podemos ver na figura abaixo.

 

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Inferência de paisagem de estabilidade a partir de um histograma de frequência de estados numa série temporal (de Scheffer et al., 2012).

Por sua vez, para sabermos se um sistema está prestes a exibir mudança de regime, podemos investigar um fenômeno genérico denominado retardamento crítico. À medida que o sistema se aproxima de um ponto crítico, a taxa de retorno a um estado estável após pequenas perturbações se torna cada vez menor. Essa maior lentidão do retorno do sistema à estabilidade pode ser investigada por meio de experimentos controlados de perturbação. Ela também pode ser detectada analisando-se parâmetros estatísticos em séries temporais, como variância e autocorrelação temporal. Como o sistema passa mais tempo longe da estabilidade quando se aproxima de ponto crítico de mudança, a variância em medidas relevantes tende a aumentar. Em recifes de coral, por exemplo, a perda de resiliência é indicada por variância crescente das taxas de captura de pescado.

Além disso, a dinâmica do sistema se torna mais lenta perto do ponto crítico. Por esta razão, pode haver maior autocorrelação temporal dos estados do sistema à medida que ele se aproxima de uma mudança catastrófica.

Mesmo sem discutir outros indicadores, podemos chegar a uma importante conclusão: há métricas disponíveis para avaliação da resiliência ecológica e inferência da magnitude de risco de mudança crítica num sistema socioecológico.  Investigações sobre tais métricas e sua operacionalização para uso na gestão ambiental são muito importantes para uma gestão sustentável de sistemas cada vez mais impactados e mais próximos de pontos de transição. Desse modo, poderemos estar mais preparados para evitar mudanças no regime do comportamento dos sistemas socioecológicos, que têm altos custos, não somente financeiros, mas em termos da qualidade de vida das pessoas, e que são de difícil reversão.

Charbel N. El-Hani (Instituto de Biologia/UFBA)

PARA SABER MAIS:

Beisner, B. E. (2012). Alternative stable states. Nature Education Knowledge 3(10): 33.

Curtin, C. G. & Parker, J. P. (2014). Foundations of resilience thinking. Conservation Biology 28: 912–923.

Farrall, M. H. (2012). O conceito de resiliência no contexto dos sistemas socio-ecológicos. Ecologi@ 6: 50-62.

Holling, C. S. (1973). Resilience and stability of ecological systems. Annual Review of Ecology and Systematics 4:1–23.

Holling, C. S. (1996). Engineering resilience versus ecological resilience. In: Schulze, P. C. (Ed.). Engineering Within Ecological Constraints (pp. 31-44). Washington, DC: National Academy USA.

Scheffer, M., Carpenter, S. R., Dakos, V. & van Nes, E. (2015). Generic indicators of ecological resilience: Inferring the chance of a critical transition. Annual Review of Ecology, Evolution and Systematics 46:145–67.

Scheffer, M. et al. (2012). Thresholds for boreal biome transitions. PNAS 109: 21384–21389.

Selkoe, K. A. et al. (2015). Principles for managing marine ecosystems prone to tipping points. Ecosystem Health and Sustainability 1(5):17.

Stockholm Resilience Centre. (2014). What is resilience? An introduction to social-ecological research. Stockholm: Stockholm University.

 

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