No início desse ano, li um livro intitulado “Juventude eterna, pra quem?”, escrito por uma amiga de longa data, Maria Falcão. A história começa no ano de 2112, e busca, através da ficção científica, discutir algumas das implicações da incansável busca humana pela juventude eterna. O livro narra as diferentes perspectivas dos personagens envolvidos em um experimento revolucionário: o implante de um chip capaz de parar o processo de envelhecimento, resultando assim na juventude eterna. Não vou entrar em mais detalhes da história, caso vocês se interessem pela leitura, mas uma pergunta inquietante que permeia o livro ficou comigo até hoje, ainda sem resposta: caso tivéssemos acesso a um dispositivo capaz de barrar o envelhecimento, tal qual o chip descrito no livro, o que eu faria? Optaria pela juventude eterna?
O envelhecimento sempre foi, até então, um processo inerente à vida. Todo organismo vivo, com raras exceções (inclusive uma previamente discutida aqui no Darwinianas), envelhece com o passar do tempo. Em termos gerais, envelhecimento é o resultado do declínio do funcionamento de células, tecidos e órgãos, afetando todos os sistemas do organismo e aumentando assim o risco de morte. Diversas teorias buscam explicar as bases biológicas do envelhecimento e, mais recentemente, alterações epigenéticas têm recebido bastante atenção. Diversos marcadores foram desenvolvidos nas últimas décadas, os chamados relógios epigenéticos, e têm sido amplamente utilizados nos estudos sobre longevidade e senescência como forma de estimar a idade biológica de um indivíduo.
Essa semana, um artigo publicado na revista Aging Cell apresentou os resultados de um ensaio clínico pequeno, mas de grande repercussão. Em um grupo de nove adultos saudáveis, o uso de uma combinação de hormônios do crescimento e remédios utilizados no controle dos níveis de glicose sanguínea, se mostrou capaz de reverter o envelhecimento do timo (Figura 1).
Por que o timo? O timo é uma glândula que faz parte do sistema imunológico e participa na produção de células de defesa do corpo, particularmente de linfócitos T. Ao longo da vida, o timo involui e por volta dos 60 anos de idade a produção de linfócitos T diminui significativamente, como resultado da substituição de tecido funcional por gordura. Essa redução está ligada ao aumento da incidência de doenças relacionadas ao envelhecimento, como alguns tipos de câncer, doenças infecciosas, doenças autoimunes, aterosclerose e inflamações generalizadas. Em contraste, o timo de indivíduos centenários não apresenta as alterações esperadas da idade e o funcionamento apropriado do timo resulta em um sistema imunológico saudável que parece proteger esses indivíduos dos acometimentos comuns à senescência, resultando assim em prolongada longevidade.

A importância do funcionamento adequado do timo para a manutenção de um sistema imunológico saudável já foi estabelecida há mais de duas décadas. Semelhante à redução observada em idosos, pacientes com HIV também sofrem involução do timo em consequência da própria infecção, resultando na diminuição significativa da produção de linfócitos T. No entanto, quando em terapia altamente eficaz com antirretrovirais (do inglês Highly Active Antiretroviral Therapy, HAART) esses pacientes apresentam um aumento do funcionamento do timo, resultando em um aumento da produção de linfócitos T e consequente aumento no número de linfócitos T sanguíneo, resultando em melhoria da sobrevida.
Os nove adultos saudáveis, voluntários no estudo, utilizaram o coquetel de três medicamentos durante o período de um ano. Os efeitos positivos no funcionamento do sistema imunológico desses indivíduos se mantiveram durante o tempo do estudo, que se estendeu até 6 meses após a parada do tratamento. Além disso, os cientistas investigaram quatro marcadores epigenéticos ligados ao relógio biológico e compararam a idade biológica estimada por esses marcadores à idade cronológica dos voluntários antes, durante 6 meses depois do tratamento. Os cientistas observaram que, com bases nesses marcadores epigenéticos, os voluntários estavam 2.5 anos mais novos na idade biológica do que na cronológica. Além disso, a expectativa de vida desses indivíduos aumentou em 2.1 anos e ambos os efeitos também se mantiveram 6 meses após a parada do tratamento. Ainda mais interessante foi o fato de que a velocidade da regressão da idade biológica aumentou com o tempo de tratamento. Ou seja, com o passar do tempo, o tratamento pareceu ser mais eficaz na redução da idade biológica dos voluntários.
Esta é a primeira vez em que um ensaio clínico apresenta evidência a favor da possibilidade de rejuvenescimento. Seria esta a nossa fonte da juventude? Vamos com calma. Os próprios cientistas alertam que não é possível, apenas a partir desse estudo, tirar grandes conclusões. Primeiro, esse estudo foi realizado em um grupo muito pequeno de pessoas saudáveis: contou apenas com nove voluntários, todos do sexo masculino, e todos caucasianos, o que exclui a maior parte da população humana. Além disso, o estudo não utilizou um grupo controle, ao qual o grupo experimental deveria ter sido comparado. Precisamos ter cautela, também, ao interpretar os efeitos a longo prazo de intervenções como essa. O estudo durou apenas dois anos, e o tratamento em si foi realizado por apenas um ano. Quais seriam as consequências a longo prazo de tal intervenção?
Esta e outras perguntas ainda estão em aberto, mas parece que atravessamos um ponto crítico no nosso conhecimento a respeito das possibilidades de alteração do nosso relógio biológico. Mais uma vez, a realidade se aproxima da ficção científica, e a possibilidade de barrarmos o envelhecimento, seja por meio de um chip, como propôs Maria em seu livro, ou por meio de medicamentos, como no caso do estudo aqui apresentado, está cada vez mais próxima de nós. Talvez seja esse um momento crucial para nos perguntarmos: será que queremos, de fato, a juventude eterna? Para quê? Por quê? E, para quem? Vale a reflexão.
Ana Almeida
California State University East Bay (CSUEB)
Para saber mais:
Benayoun, B.A. et al. 2015. Epigenetic regulation of ageing: linking environmental inputs to genomic stability. Nature Reviews Molecular and Cell Biology, 16(10): 593–610. doi:10.1038/nrm4048.
Bocklandt, S. et al. 2011. Epigenetic predictor of age. PLoS ONE, 6(6): e14821.
Booth, L.N.; Brunet, A. 2016. The Aging Epigenome. Molecular Cell, 62: 728-744.
Jones, O. et al. 2014. Diversity of aging across the tree of life. Nature, 505: 169-173.
Zdrojewicz, Z. et al. 2016. The Thymus: A forgotten, but very important organ. Adv Clin Exp, 25(2): 369–375.