A evolução humana foi por muito tempo erroneamente vista como um processo linear ligando um ancestral simiesco mais primitivo ao ser humano moderno. No entanto, à medida que resquícios fósseis foram sendo encontrados, percebeu-se que na verdade o ser humano era apenas o final de um ramo de uma árvore extremamente diversa.
Enquanto o Homo sapiens originou-se na África há cerca de 250-300 mil anos, outro ramo dessa árvore, extinto há aproximadamente 40 mil anos, deu origem aos Neandertais, há cerca de 400 mil anos. Registros fósseis mostram que essas duas espécies coexistiram temporal e espacialmente, e com elas também conviveram outras espécies de hominídeos. Na última década, estudos genômicos realizados a partir de material paleontológico trouxeram duas grandes revelações: 1. Neandertais e humanos não só coexistiram, mas também cruzaram e deixaram descendentes férteis; e 2. Humanos também cruzaram e deixaram descendentes férteis com um terceiro indivíduo arcaico, denominado Homem de Denisova, sobre o qual pouco de sabe, pois os únicos restos fósseis encontrados foram um dente e uma falange.
É interessante que, quando analisadas as diferentes populações humanas em relação à herança neandertal e denisovana, encontramos em torno de 4% de ancestralidade média neandertal em Europeus, e 5% de ancestralidade denisovana em aborígenes australianos, melanésios e outras populações de ilhas do sudeste asiático. Essa distribuição aponta para uma miscigenação com neandertais na saída da África, e com denisovanos mais tarde na jornada de expansão.
Os neandertais tiveram grande mobilidade na Eurásia, sendo encontrados desde a Europa atlântica até a Sibéria. Tanto o Homem de Denisova, que viveu há aproximadamente 50 mil anos, quanto o Neandertal Altai, um dos espécimes mais estudados do ponto de vista genético, que tem em torno de 120 mil anos, foram encontrados no mesmo local, a caverna de Denisova, nos montes Altai, na Sibéria.
Recentemente, nessa mesma caverna, deu-se provavelmente a descoberta mais surpreendente das últimas décadas: foram encontrados pequenos fragmentos de ossos de um indivíduo híbrido de primeira geração entre uma neandertal e um denisovano. Ou seja, um filho de uma mãe neandertal e um pai denisovano.
Denny, como foi apelidada, viveu há cerca de 90 mil anos, e morreu na caverna de Denisova aos 13 anos. Sua mãe neandertal era mais relacionada aos neandertais que viviam na Europa, especificamente na região da atual Croácia, do que com os que viviam na região dos Montes Altai. Isso evidencia que os neandertais se deslocavam por amplas regiões geográficas. Seu pai denisovano apresenta miscigenação com neandertais em gerações anteriores, o que revela que o evento que deu origem a Denny provavelmente era algo relativamente comum.
Existem apenas poucos genomas de espécimes arcaicos do gênero Homo sequenciados e, a cada novo genoma, a história de nossa espécie tem sido completamente reescrita. Provavelmente nos próximos anos, teremos avanços tecnológicos que nos permitam aprofundar mais nossa árvore genealógica, extraindo DNA de mais ramos extintos. Somos os únicos que permaneceram, mas muitos de nós trazem partes desses outros ramos extintos em seu genoma. O incrível dessa nova perspectiva é saber cada vez com mais segurança que não somos o final de uma linhagem única, mas apenas um ramo mestiço dentro de uma grande árvore que apenas começamos a conhecer.
Tábita Hünemeier (IB/USP)
PARA SABER MAIS:
Svante Päabo (2015) Neanderthal Man: In Search of Lost Genomes. Basic Books, 288pp.
Uma consideração sobre “Denny: a menina meio Neandertal, meio Denisovana”