Afinal, quem são os “Wallys” no pequeno mundo dos microrganismos?

Neste post faço uma analogia ao famoso livro “Onde está Wally?” para ilustrar uma linha que vem crescendo a cada dia no estudo da diversidade microbiana: a biosfera rara.

No meu post anterior, falei sobre o “mar” de microrganismos. Falamos do quão importante os microrganismos são para os oceanos, para a ciclagem de nutrientes, nas cadeias alimentares e na saúde dos corais. Foquei especialmente em ambientes recifais, com os quais tenho grande afinidade e sobre os quais já desenvolvi alguns trabalhos. Neste post falarei sobre um assunto que vem me fascinando há um tempo e tem um pouco a ver com os novos microrganismos de que falei no meu primeiro post aqui no Darwinianas, microrganismos pouco abundantes (ou raros) e sua importância.

Antes de mergulharmos no assunto propriamente dito, é importante definir o que é, ou quais são os critérios que usamos para dizer se um microrganismo é raro ou não. Em uma revisão sobre o tema, os Professores Michael D. J. Lynch e Josh D. Neufeld apresentam algumas definições presentes na literatura, mas talvez a mais utilizada seja que os microrganismos que compreendem de 0,1% a 0,01% em uma determinada amostra (a depender da referência utilizada) compreendem a microbiota (ou biosfera) rara. Essa definição arbitrária e amplamente utilizada em diversos estudos é baseada em técnicas que usam sequenciamento de nova geração para “contar” as “espécies” ou Unidades Taxonômicas Operacionais (muito comum achar OTU, que vem da sigla em inglês) nas amostras. Um outro aspecto a ser considerado é considerarmos que, diferentemente de organismos que dependem de reprodução sexuada para aumentar suas populações, tendo necessidade de encontrar um par (também raro) para se reproduzir, microrganismos apresentam reprodução clonal. Ou seja, em situações favoráveis (por exemplo, oferta de recursos) a sua abundância pode crescer e muito.

Algumas estimativas indicam que grande parte dos microrganismos que existem na biosfera não são ainda cultivados e que são muito pouco abundantes. Conhecer essa enorme diversidade é super importante do ponto de vista da ciência básica, mas também de possíveis aplicação das suas funções metabólicas e ecossistêmicas para saúde humana e para questões ambientais como biorremediação, por exemplo. Ressalto aqui alguns exemplos de estudos empíricos que mostraram a importância da biosfera rara para alguns processos. Um estudo sobre o impacto do uso da terra sobre a diversidade microbiana no solo feito em plantações de dendê na Malásia mostrou que em florestas e ambientes com uso menos intenso do solo, microrganismos pouco abundantes são muito importantes para manter a estrutura da comunidade de microrganismos no solo. Possivelmente esses microrganismos possuem papéis cruciais para mobilização de matéria orgânica para todos os demais microrganismos, sendo chave para o funcionamento dos ecossistemas. Um outro estudo, através de experimentos de longo prazo em turfeiras, mostrou que que microrganismos raros são os principais responsáveis pela redução do enxofre nesses ambientes. Esse achado é importante, pois reflete diretamente no conhecimento que temos sobre o ciclo do carbono, especialmente na produção de metano (um dos principais gases para o efeito estufa) neste ambiente, uma vez que o metabolismo de enxofre tem impacto direto nas vias de produção e degradação de metano.

Voltando a analogia do Wally, ainda precisamos conhecer muitos “Wallys” nos microbiomas, mas já temos conhecimento sobre o papel e a importância deles nos ecossistemas.

 

Pedro Milet Meirelles

Laboratório de Bioinformática e Ecologia Microbiana

Instituto de Biologia da UFBA

meirelleslab.org

 

Para Saber mais:

Lynch, M. D. J., and Neufeld, J. D. (2015). Ecology and exploration of the rare biosphere. Nat. Rev. Microbiol. 13, 217–229. doi:10.1038/nrmicro3400.

Wood, S. A., Gilbert, J. A., Leff, J. W., Fierer, N., D’Angelo, H., Bateman, C., et al. (2017). Consequences of tropical forest conversion to oil palm on soil bacterial community and network structure. Soil Biol. Biochem. 112, 258–268. doi:10.1016/j.soilbio.2017.05.019.

Kristensen, D. M., Mushegian, A. R., Dolja, V. V, and Koonin, E. V (2010). New dimensions of the virus world discovered through metagenomics. Trends Microbiol. 18, 11–19. doi:10.1016/j.tim.2009.11.003.

Pedrós-Alió, C. (2007). Dipping into the rare biosphere. Science (80-. ). 315, 192–193. doi:10.1126/science.1135933.

Pester, M., Bittner, N., Deevong, P., Wagner, M., and Loy, A. (2010). A “rare biosphere” microorganism contributes to sulfate reduction in a peatland. ISME J. 4, 1–12. doi:10.1038/ismej.2010.75.

Locey, K. J., and Lennon, J. T. (2016). Scaling laws predict global microbial diversity. Proc. Natl. Acad. Sci. 113, 5970–5975. doi:10.1073/pnas.1521291113.

(Imagem de abertura: https://findthething.wordpress.com/tag/find-wally-hidden-where-is-wally/)

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