Quando pensamos nas palavras “mar” e “micróbios” juntas, geralmente nos vem a imagem de uma praia poluída e imprópria para banho, certo? Mas esses seres tão abundantes tem papeis muito importantes nos ambientes marinhos além de apenas causarem doenças nos animais marinhos e em nós. Os microrganismos marinhos, ou, como se costuma chamar na ciência, a microbiota marinha, desempenham papeis centrais nas cadeias alimentares, assim como nos ciclos biogeoquímicos, como, por exemplo, os ciclos do carbono e nitrogênio. No post de hoje trago alguns exemplos sobre o papel dos microrganismos no funcionamento e resiliência dos ambientes marinhos, mais especificamente, nos recifes de corais.
Esses recifes são formados e mantidos através da deposição de carbonato de cálcio, principalmente nos esqueletos dos corais. Os tecidos translúcidos dos corais são habitados por “algas” unicelulares conhecidas como zooxantelas (que são hoje classificadas como dinoflagelados do gênero Symbiodinium) que dão cor aos seus hospedeiros. Essas algas são responsáveis por grande parte do suprimento energético dos corais, através de sua atividade fotossintética, liberando açúcares nos tecidos dos corais, que são sua principal fonte de carbono. Além dessas algas, os corais vivem em simbiose estreita com bactérias que são responsáveis, dentre outras coisas, por fixar nitrogênio para os corais.
Mas nem tudo é um mar de rosas para os corais. Quando expostos a fatores estressantes, como, por exemplo, o aumento da temperatura da água do mar, essa relação simbiótica é rompida, e os corais perdem seus parceiros, ficando brancos. Este fenômeno é conhecido como branqueamento de corais e pode ter diversas causas, a exemplo da infecção por bactérias do gênero Vibrio, do mesmo gênero das que causam a cólera nos seres humanos.

O mais interessante é que, com o avanço na compreensão sobre a abundância e diversidade dos microrganismos presentes nos recifes, principalmente através de abordagens metagenômicas (ver este post para mais detalhes sobre essas abordagens), temos compreendido como a atividade humana local está relacionada com as doenças e a saúde dos corais. A retirada de peixes e o aporte de nutrientes (poluição por esgoto, por exemplo) influenciam diretamente o crescimento de algas, que competem por espaço com os corais, além de alimentar uma microbiota de crescimento rápido e heterotrófico, que sufoca os corais, e estimular o crescimento de microrganismos patogênicos. Esse ciclo vicioso foi observado no oceano Pacífico e aqui em Abrolhos e na Cadeia Vitória-Trindade. O contrário também é verdadeiro, em recifes saudáveis, com populações de peixes abundantes e com alta cobertura de corais, a microbiota da água é dominada por microrganismos benéficos a saúde dos corais.

Mergulhar fundo no mar dos microrganismos e conhecer sua diversidade é um grande desafio e nos dá grandes oportunidades para compreendermos mais, possibilitando que possamos nos relacionar melhor com os ambientes marinhos de que tanto dependemos. Como visto, a microbiota está diretamente ligada à saúde, seja dos ambientes como um todo ou dos hospedeiros. Diversos estudos vêm mostrando como essa ligação se dá e alguns até apontam meios para intervir em caso de desequilíbrio, a exemplo de propostas como a terapia por fagos… mas este é assunto para outro post… até a próxima.
Pedro Milet Meirelles
(Laboratório de Bioinformática e Ecologia Microbiana
Instituto de Biologia da UFBA)
Para Saber mais:
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Foto de abertura: Parecem constelações, galáxias, universos, mas são microrganismos marcados por corantes fluorescentes, vistos em microscopia. Uma colher de sopa de água do mar contém mais de 1 milhão de bactérias (Fonte: http://www.news.ucsb.edu/2017/018057/confluence-science-and-art)
Uma consideração sobre “Um mar de micróbios”