Cérebros sociais ou sociedades cerebrais?

Mini-cérebros podem se unir em superpoderosos mega-processadores biológicos?

No que depender das neurociências, parece que nem Pink, nem o Cérebro, os inesquecíveis ratos brancos dos laboratórios ACME, conseguirão conquistar o mundo. Dominar o mundo é coisa séria, e para viver em ambientes diferentes como Tundra, Taiga, Floresta Temperada, Floresta Tropical, Savana, Pradaria, Caatinga e Deserto, um ser vivo precisa ser capaz de se ajustar a muitas situações distintas. É coisa de gente grande, e não de rato pequeno.O sistema nervoso se constitui de um tecido caríssimo em termos metabólicos, consumindo muito mais energia que músculos ou vísceras. Costumo brincar com meus alunos que, se quiserem emagrecer, devem passar o dia estudando na academia de ciências, e não levantando peso na academia de ginástica. Fazer cálculos matemáticos de cabeça é igual a viajar em uma Ford Rural 64 original de fábrica: é poético, mas são 4 quilômetros por litro de gasolina … Dito isso, fica evidente que temos que entender porque nós humanos temos afinal um cérebro tão grande. Uma resposta inicial é justamente esta: vivemos em muitos ambientes, e usamos nosso cérebro para aprender a lidar com tantas situações distintas. Embora isso seja verdadeiro hoje em dia, esta nossa ampla distribuição geográfica é posterior ao surgimento de nosso avantajado cérebro. Uma segunda resposta diz que os ambientes variáveis aos quais tivemos que nos adaptar são os ambientes sociais. O tamanho do grupo social no qual vivemos teria aumentado evolutivamente, e assim deveríamos nos ajustar todo o tempo a hierarquias e a arranjos temporários de poder. Grandes cérebros estão associados à vida em grupo em muitos animais diferentes, tais como ungulados, carnívoros, primatas, peixes e aves, de modo que de fato, ter uma vida social parece ser um desafio cognitivo importante. Agora, por que nós seríamos particularmente avantajados neste quesito? Certo, temos sociedades gigantescas, construímos cidades de dezenas de milhões de pessoas mas, novamente, tudo isso é muito recente, e não poderia explicar o cérebro já avantajado de nossos ancestrais de milhões de anos atrás. Um desafio particular nosso poderia ter sido o surgimento de um sistema de comunicação social que evolui muito mais rápido que nossos corpos: nossa linguagem oral, que evoluiu com a cultura.

Apesar deste respeitável conjunto de evidências explicando nosso cérebro como um produto evolutivo dos desafios de uma vida social complexa, é curioso perceber que, na lista de animais que citamos acima temos apenas vertebrados. E vale sempre à pena lembrar que, em termos de socialidade, nós humanos não nos equiparamos às formigas, aos cupins, às vespas ou às abelhas. Se as sociedades animais mais impressionantes estão entre os insetos, deveríamos também encontrar nestes animais sociais um sistema nervoso central desproporcionalmente grande em relação a seus minúsculos corpos. No entanto, o tamanho do cérebro em vespas não pode ser explicado pela vida social: vespas com cérebros maiores não têm uma vida social mais complexa. Ao contrário, entre as vespas, a vida solitária requer cérebros maiores, e a vida social está associada a cérebros menores! Como explicar tamanha contradição? Aparentemente, a resposta para isso é que nós, humanos, não somos suficientemente sociais. Uma abelha operária eusocial dedica sua vida inteira à manutenção da colméia sem nunca se reproduzir, enquanto nós humanos passamos a vida buscando oportunidades para garantir vantagens a nossos filhos. Não há possibilidade de termos uma mentalidade de colméia entre humanos, porque nossos objetivos impedem que nos submetamos cegamente a uma hierarquia pré-estabelecida. Do nosso ponto de vista, as sociedades de insetos parecem verdadeiras ditaduras, nas quais a liberdade individual foi reduzida a quase nada, sem direito a luxo algum, sociedades onde praticamente inexiste a possibilidade de ascensão na hierarquia social. Embora estejamos lentamente nos aproximando desta suposta organização social dos insetos (cada vez é mais difícil subir, ou descer, na escala social, com o fosso entre os mais ricos e os mais pobres aumentando exponencialmente), nossa caminhada neste sentido é ainda muito recente, e temos ainda muito o que evoluir para atingirmos o estado de espírito de um enxame de abelhas.

Fica a pergunta: como os insetos sociais conseguem fazer tanto com tão pouco?, com um sistema nervoso tão limitado? A resposta é aquilo que chamamos de cognição estendida, um tema ao qual retornarei em breve. A resposta é algo como pensar com as coisas, ou com os outros e para os outros. Claro, nós humanos também fazemos isso, mas temos o tempo todo um conflito de interesses gigantesco, pois sempre queremos fazer as coisas para nós mesmos, e esta ideia de fazer com e para os outros nos enche de suspeitas. Já para os insetos sociais este conflito de interesse não existe, e eles podem se entregar alegremente a uma especialização de tarefas dentro da colônia: posso ser muito bom em uma tarefa se utilizar meu cérebro inteiro nela, e posso fazer isso se outros de meu grupo resolverem se especializarem nos outros problemas da colônia. Assim, a colônia como um todo pode funcionar mais ou menos como um grande cérebro único, no qual os pequenos cérebros individuais são ativados ou inativados através dos sistemas de comunicação química, tátil e visual. Colônias como superorganismos são um achado interessante e raro da natureza, e podem ajudar a entender as inextermináveis formigas que vagueiam toda noite sobre os restos da sobremesa. Assim, quem diria, ao final é possível que pequenos cérebros unidos terminem mesmo por dominar o mundo. E você, cérebro, o que você vai fazer amanhã?

Hilton Japyassú (UFBA)

Para saber mais:

Farris, S. M. (2016). Insect societies and the social brain. Current opinion in insect science, 15, 1-8.

Japyassú, H. F., & Laland, K. N. (2017). Extended spider cognition. Animal Cognition, 1-21.

Ward, A., & Webster, M. (2016). Sociality: the behaviour of group-living animals. Springer.

3 comentários em “Cérebros sociais ou sociedades cerebrais?”

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