Embriões transparentes

Cientistas franceses criaram um banco de imagens com cerca de 1,5 milhão de fotografias fluorescentes de embriões humanos que servirão como referência para futuros estudos

A investigação da anatomia humana está estreitamente associada à capacidade de representar e intercambiar observações. Por muito tempo, isso significou desenhar e pintar corpos dissecados. Anatomistas clássicos como Andreas Vesalius, por exemplo, inovaram pela complexidade dos desenhos e grandes pintores como Da Vinci e Michelangelo também produziram desenhos anatômicos. Não por acaso, a anatomia moderna floresceu com a invenção da imprensa, pois ela possibilitou a difusão de desenhos e minimizou a necessidade do estudo direto de cadáveres, um procedimento sujeito a questionamentos socioculturais, religiosos e morais.

A investigação da embriologia humana depende tanto das possibilidades de representação quanto a investigação da anatomia. No entanto, é ainda mais complexo estudar embriões, pois estes são pouco acessíveis, microscópicos e mudam constantemente de forma. Por isso, seu estudo começou muito mais tarde, só na segunda metade do século XIX, e até recentemente dependia da reconstrução de modelos a partir de amostras finamente seccionadas.

A última edição da revista Cell traz na sua capa o trabalho de um grupo de pesquisadores franceses que inovaram na produção de imagens do desenvolvimento embrionário humano. A primeira inovação foi a descoberta de substâncias que tornam o embrião perfeitamente transparente, permitindo a passagem de luz sem dispersão. A segunda foi o uso de um novo tipo de microscopia de fluorescência chamada de “lençol de luz” (light sheet fluorescence microscopy). Resumidamente, neste tipo de microscopia, a amostra gira ao redor do seu próprio eixo enquanto é varrida por um plano de luz produzido por lasers, permitindo que amostras grandes, desde que transparentes, sejam fotografadas rapidamente e com boa resolução.

Utilizando anticorpos fluorescentes, eles foram capazes de marcar cerca de setenta proteínas nos embriões e estudar o desenvolvimento de diferentes órgãos e sistemas. A pesquisa produziu uma cartografia precisa do desenvolvimento dos nossos sistemas nervoso, vascular, muscular e cardiopulmonar. Todas as imagens podem ser consultadas no sítio do projeto e poderão ser usadas como referência para estudos de malformações e para a comparação com imagens produzidas por técnicas não invasivas de baixa resolução. O artigo completo está disponível gratuitamente. Nos vídeos abaixo, é possível apreciar alguns dos resultados.

Vídeo 1 – O desenvolvimento dos nervos craneais:

 

Vídeo 2 – O desenvolvimento dos nervos das mãos e pés:

 

Vídeo 3 – O desenvolvimento dos músculos:

 

Vídeo 4 – O desenvolvimento da vasculatura:

 

Vídeo 5 – O desenvolvimento do sistema cardiopulmonar:

 

João F. Botelho (Yale University, EUA)

 

Para saber mais:

  1. de Bakker BS, de Jong KH, Hagoort J, de Bree K, Besselink CT, de Kanter FEC, et al. An interactive three-dimensional digital atlas and quantitative database of human development. Science. 2016;354(6315).
  1. Renier N, Wu Z, Simon DJ, Yang J, Ariel P, Tessier-Lavigne M. iDISCO: A Simple, Rapid Method to Immunolabel Large Tissue Samples for Volume Imaging. Cell. 2014;159(4):896-910.
  1. Susaki Etsuo A, Tainaka K, Perrin D, Kishino F, Tawara T, Watanabe Tomonobu M, et al. Whole-Brain Imaging with Single-Cell Resolution Using Chemical Cocktails and Computational Analysis. Cell. 2014;157(3):726-39
  1. Yang B, Treweek JB, Kulkarni RP, Deverman BE, Chen C-K, Lubeck E, et al. Single-cell phenotyping within transparent intact tissue through whole-body clearing. Cell. 2014;158(4):945-58.

 

Figura de abertura modificada de Belle et al. (2017)

Uma consideração sobre “Embriões transparentes”

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