Provavelmente, apenas os Wampas escondidos nas cavernas do isolado planeta Hoth ainda não viram a fofura que tomou conta das redes nas últimas semanas: um bebê da mesma espécie do personagem Yoda da saga Star Wars. A série na qual o personagem aparece ainda não estreou no Brasil, mas os memes já chegaram por aqui. O rostinho do personagem –apelidado de bebê Yoda por falta de um nome mais apropriado– despertou os instintos maternais e paternais de fãs da série e outros desavisados que viram a fofura por aí. Mas por que os olhos grandes, o nariz pequeno e o rosto rechonchudo do personagem causam esse sentimento?
Em 1943, Konrad Lorenz, um zoólogo e etólogo austríaco, sugeriu que certas características do bebê poderiam evocar uma resposta afetiva positiva no ser humano. As características físicas dos bebês, como a cabeça desproporcionalmente grande, olhos grandes, testa saliente, bochechas rechonchudas, nariz e boca pequenos, foram descritas por Lorenz como “Kindchenschema”, palavra em alemão que significa esquema de bebê, ou padrão de bebê. Alguns pesquisadores levantaram a hipótese de que essas características poderiam ser adaptativas em espécies cujos filhotes dependem de cuidados parentais, pois aumentam a chance de sobrevivência dos filhotes. Os efeitos do “Kindchenschema” já foram testados por vários pesquisadores, que manipularam fotografias de bebês para produzir rostos com alto padrão de bebê (rosto redondo, testa alta, olhos grandes, nariz e boca pequenos) ou baixo padrão de bebê (rosto estreito, testa baixa, olhos pequenos, nariz e boca grandes). As fotografias manipuladas e as originais foram mostradas a grupos de pessoas que reportaram sua percepção a cada fotografia, dizendo quão “fofo” era o bebê e quão motivados estariam para cuidar de cada bebê das fotografias mostradas. Quanto maior o “Kindchenschema” observado nas fotografias, maior era o “índice de fofura” e estímulo para o cuidado relatados pelos participantes (fig. 1). O “Kindchenschema” pode ser classificado então como um estímulo chave na comunicação social, provocando um padrão específico de comportamento.

Para entender o mecanismo neurofisiológico subjacente ao “Kindchenschema”, pesquisadores utilizaram imagens de ressonância magnética de cérebros de mulheres expostas às fotografias (originais e manipuladas) de bebês. Cada uma das mulheres também classificou as fotografias dos bebês em “não muito fofo”, “fofo” e “muito fofo”. Os bebês das fotografias manipuladas para um alto “Kindchenschema” foram novamente classificados como “muito fofos” e as imagens de ressonância mostraram que o padrão de bebê ativa o núcleo accumbens, uma estrutura cerebral chave do sistema de prazer e recompensa. A ativação da região era maior quando as mulheres eram estimuladas com as fotografias de bebês que elas descreviam como mais fofos. A ativação maior sugere que o “Kindchenschema” é um incentivo positivo que fornece motivação para o comportamento de cuidado, levando ao desejo de segurar e abraçar uma criança, conforme descrito por Lorenz.
De uma perspectiva evolutiva, a existência de mecanismos neurofisiológicos em resposta ao “Kindchenschema” poderia ser adaptativa, como um mecanismo de proteção que garantiria a sobrevivência de bebês completamente dependentes. A ativação do sistema de recompensa pode motivar o cuidado de um bebê por qualquer cuidador em potencial em um grupo, independentemente do parentesco, motivando o comportamento social de criação cooperativa. Nele, o papel de cuidador seria distribuído para os membros do grupo além da própria mãe. Não é possível ainda determinar, no entanto, se a resposta ao “Kindchenschema” é um mecanismo selecionado ou produzido por contribuições culturais. Há evidências de que a capacidade de resposta ao padrão de bebê ocorre em crianças e bebês a partir dos 4 meses de idade, sugerindo um componente inato. No entanto, a resposta dos bebês ao “Kindchenschema” também poderia ser modulada pela experiência e aprendizado.
Alguns autores argumentam que o “Kindchenschema” tem um papel mais complexo, que vai além do cuidado com bebês. Isso pode ser visto na comparação com outras respostas a estímulos de bebês. Por exemplo, o choro inicia um comportamento menos complexo e mais instintivo para impedir ou interromper o ruído, enquanto a “fofura” promove a socialidade, o sorriso e interações mais complexas e duradouras. Outros estímulos também podem ser classificados como fofos e desencadear respostas similares. Crianças (de 3 a 6 anos) e adultos deram classificações semelhantes de “fofura” a imagens de animais e bebês manipuladas para um maior “Kindchenschema” (fig. 2). As imagens com animais mais “fofos” também prendem o olhar das crianças por um tempo maior. Essa preferência não passou despercebida pela indústria cinematográfica e de brinquedos. Os personagens fictícios, como o bebê Yoda, e brinquedos tornaram-se “mais fofos” e mais parecidos com bebês ao longo do tempo, como se estivessem evoluindo por um processo de seleção artificial no qual os consumidores escolhem os personagens mais fofos.

Kringelbach e colaboradores (2016) sugerem que a “fofura” deve ser vista como um dos estímulos mais relevantes à manutenção da espécie, assim como alimentação e reprodução. De acordo com os autores, vias neurais associadas a esses estímulos seriam priorizadas em relação a outros estímulos menos importantes. A neurociência permitiu a identificação de redes cerebrais ativadas em resposta a estímulos como a visualização de rostos de bebês e, diferentemente de estímulos não relacionados à sobrevivência, a “fofura” e outros estímulos relevantes para a sobrevivência infantil ativam regiões que levam ao acesso global a redes necessárias para os cuidados com dependentes e comportamentos sociais. Em um primeiro momento, a “fofura” levaria às principais reações dos pais, iniciando uma atividade neural rápida, mas seria seguida de um processamento mais lento em grandes redes cerebrais, também envolvidas em prazer, empatia e talvez até emoções morais. Assim, além do cuidado, a “fofura” parece ter um papel fundamental na facilitação de relações sociais, prazer, bem-estar e relações sociais complexas, desencadeando empatia e compaixão. “Verdadeiramente maravilhosa, a fofura de uma criança é”, diria o Mestre Yoda.
Tatiana Teixeira Torres (USP)
Para saber mais:
- Morten L. Kringelbach, Eloise A. Stark, Catherine Alexander, Marc H. Bornstein, Alan Stein (2016) On Cuteness: Unlocking the Parental Brain and Beyond. Trends in Cognitive Sciences, 20(7): 545–558.
Nesta revisão, os autores mostram evidências de estudos comportamentais e de neuroimagem que vinculam “fofura” a comportamentos instintivos simples e a emoções e comportamentos complexos. Os autores também descrevem que “fofura” promove uma atividade neural rápida, seguida de um processamento mais lento em grandes redes cerebrais que também estão envolvidas em outros comportamentos e emoções humanos.
- Lizhu Luo, Xiaole Ma, Xiaoxiao Zheng, Weihua Zhao, Lei Xu, Benjamin Becker, Keith M. Kendrick (2015) Neural systems and hormones mediating attraction to infant and child faces. Frontiers in Psychology, 6: 970.
Revisão sobre os estudos sobre “Kindchenschema” e os fatores físicos e comportamentais que podem influenciá-lo. Também mostra detalhes de estudos de neuroimagem e eletrofisiológicos que investigam o circuito neural subjacente ao “Kindchenschema” em ambos os sexos.
- Stephen Jay Gould (1980) A Biological Homage to Mickey Mouse. In The Panda’s Thumb: More Reflections in Natural History, pp. 95–107, W.W. Norton & Company.
Stephen Jay Gould usa o exemplo da evolução da aparência do Mickey Mouse para apresentar as ideias de Konrad Lorenz. Ao longo de 50 anos, o Mickey teve a aparência cada vez mais juvenil com aumento do tamanho da cabeça e olhos maiores, por exemplo. Gould também ressalta como nós humanos mantemos mais características juvenis como adultos, na comparação com outros animais.