Qual será a importância da estupidez na pesquisa científica?

“Já que você é cientista, me diga aí…”. Essa é uma frase que nós cientistas ouvimos muito, em vários lugares. Dos nossos parentes, amigos, de pessoas que conhecemos. Seja sobre o Universo, máquina de lavar, forno micro-ondas, aquecimento global ou sobre a fruta que estamos comendo. Mas será que temos tantas respostas assim? Como é que nos sentimos perante a nossa ignorância?

Motivado pelo ensaio intitulado “The importance of stupidity in scientific research” (em tradução livre “a importância da estupidez na pesquisa científica”), escrito por Martin A. Schwartz, professor do Departamento de Microbiologia da Universidade de Virginia (EUA), que me foi enviado pelo querido amigo Danilo Coimbra, refleti um tanto e escrevo este post. No seu texto, o Prof. Schwartz nos conta que depois de anos encontrou uma amiga, que fez pós-graduação na mesma época que ele, e com muito espanto soube que ela desistiu de ser cientista para fazer direito e trabalhar como advogada. Abismado com a notícia ele perguntou o motivo e ela revelou que se sentia estúpida o tempo inteiro, por isso mudou de área. É importante destacar que ela, desde aquela época, era muito competente e que essa competência se reflete na posição que ela ocupa hoje. Isso tocou o Prof. Schwartz, que ficou refletindo sobre o assunto por dias e percebeu que este é um sentimento bem comum para ele. Mas por que será que ele continua?

Quando decidimos ser cientistas, ou seja, ocupar posições profissionais que nos possibilitem viver dessa atividade, seja como professores universitários ou como pesquisadores de institutos de pesquisa, vivemos esta inquietação diariamente. Essa inquietação pode começar na graduação, mas geralmente se intensifica na pós-graduação, especialmente no doutorado, quando começamos a ter mais responsabilidade sobre as perguntas que queremos responder. Ao longo da nossa vida como estudantes, somos treinados intensamente a responder questionamentos sobre questões já elucidadas. É só pensar na quantidade de provas, de trabalhos em grupo ou individuais que temos que fazer. Geralmente precisamos encontrar informações já existentes sobre algum fenômeno ou objeto e, no máximo, as compilamos em uma resposta, apresentação ou trabalho escrito, não é mesmo? Mas, e quando precisamos fazer perguntas originais? E quando não há conhecimento sobre aquele determinado assunto? Como é que nos sentimos? Ignorantes. E esta é a realidade. Nos deparamos com a completa ou quase completa ignorância. Esse momento pode ser bem inquietante e pode incomodar. É necessário termos paciência e reconhecermos que pouco sabemos mesmo. As pessoas reagem a esse momento de maneiras variadas, alguns têm grande incômodo, outros nem tanto. Não são somente cientistas que sabem pouco. Todos que genuinamente buscam conhecimento reconhecem que pouco sabem. Quanto mais sabemos mais sabemos que não sabemos. Agora, é importante identificarmos que há uma outra ignorância, muito comum e crescente hoje em dia, que é a de nada saber e achar que sabe tudo. Estes não se incomodam nunca.

Vejo que esse tema pode ser desdobrado e aprofundado em várias vertentes. Pretendo fazer isso aqui no Darwinianas explorando alguns aspectos que entendo como muito relevantes para a compreensão do público geral em alguns posts. Alguns desses aspectos são: i) o grande desconforto e questões de saúde mental que muitos estudantes de pós-graduação atravessam; ii) como a formação científica mais robusta pode contribuir para entendermos esse desconforto e sua superação; iii) a compreensão de que a pesquisa científica que traz grandes avanços geralmente está associada com esse sentimento de ignorância. Hoje focarei nesse terceiro ponto.

A pesquisa científica é um mergulho no desconhecido, como coloca muito bem o Prof. Schwartz, e por isso é tão difícil fazê-la. Só sabemos se a pergunta que estamos fazendo, se os experimentos estão certos quando temos as respostas. É claro que todo o planejamento, o levantamento das hipóteses deve ser feito com muito critério, mas estamos nos propondo a confrontar o desconhecido e isso pode ser bem desconfortável. Em muitos casos, nesse momento nos sentimos bem pequenos e insignificantes, não sabemos como ao certo resolver certos problemas e muitas vezes somos obrigados a desenvolver novas técnicas e novos métodos. Nesse processo nos sentimos estúpidos muitas vezes, e é necessário que assim o seja. É importante deixar claro que a nossa busca deve ser a de se colocar neste lugar, de procurar o ponto exato onde nos encontremos ignorantes, pois é aqui onde a inquietação cresce e nos sentimos motivados a buscar o conhecimento, a fazer descobertas e nos realizarmos como profissionais e pessoas.

 

Pedro Milet Meirelles

Laboratório de Bioinformática e Ecologia Microbiana

Instituto de Biologia da UFBA

meirelleslab.org

 

Para Saber mais:

Filme “The most unknown”

Gleiser, MarceloA ilha do conhecimento: os limites da ciência e a busca por sentido. Editora Record, 2014.

Schwartz, Martin A. “The importance of stupidity in scientific research.” Journal of Cell Science 121.11 (2008): 1771-1771.

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