A Terra (Preta) de Índio na Amazônia

Os solos amazônicos são naturalmente pobres em nutrientes, de coloração amarelada, baixa fertilidade e acidez – condições pouco favoráveis à agricultura. A exuberância da floresta é sustentada pela serrapilheira, uma fina camada de solo superficial formada a partir da decomposição de folhas, galhos, frutos e animais mortos, que acrescem matéria orgânica ao solo. Exceções dentro da floresta são as várzeas dos rios, normalmente férteis devido às cheias. No entanto, distribuído por toda a floresta, existe um tipo diferente de solo, extremamente fértil, e que por décadas intrigou pesquisadores, a Terra Preta de Índio.

A Terra Preta de Índio possui propriedades muito diferentes do solo original amazônico, sendo considerado um dos solos mais férteis do mundo, caracterizado por 30 cm a 1 m (Figura 1) de matéria escura rica em nutrientes como cálcio, magnésio, zinco manganês e fósforo. Este tipo solo é encontrado no registro arqueológico há pelo menos 4.500 anos, e vem sendo manipulado pelos nativos americanos ao longo do tempo para propiciar o manejo da floresta e a agricultura em pequena escala dentro da Amazônia como forma de subsistência.

Figura 1. Escavação de Terra Preta com mais de 1 m de profundidade, destacando-se o solo amarelo típico amazônico logo abaixo.
(Fonte)

Durante muitas décadas, creditou-se a fertilidade da Terra Preta amazônica a antigas erupções vulcânicas andinas que teriam depositado cinzas na região. No entanto, estudos recentes demonstraram que a Terra Preta é resultado de uma combinação de matéria orgânica vegetal e animal, vegetais carbonizados e resquícios de cerâmica depositadas continuamente. Os antigos amazônicos realizavam o processo de formação desse solo por meio da queima do material em baixas temperaturas, visando a produção de carvão em vez de cinzas. O carvão, ao contrário das cinzas que são altamente lixiviáveis, retém nutrientes, estabiliza a matéria orgânica, e é resistente à degradação biológica. Outro fator importante, provavelmente responsável pela durabilidade da Terra Preta, são os fungos e bactérias nela presentes, e pouco abundantes em solos adjacentes. Estima-se que até 10% do solo da Amazônia atualmente ainda seja de Terra Preta (Figura 2).

Figura 2. Distribuição atual da Terra Preta de índio na Amazônia (Fonte: Michael et al. 2014).

Alguns pesquisadores afirmam que uma consequência secundária importante desse manejo em larga escala do solo amazônico pelos nativos ao longo dos últimos milênios é que o processo de produção de Terra Preta retém carbono no solo, evitando sua liberação na atmosfera, e assim diminuindo os efeitos do aquecimento global. Sendo assim, é um processo de ganho-ganho, pois além de níveis de fertilidade excelentes, consegue-se manter até 50% do carbono do solo, e agrega-se mais um fator no combate ao efeito estufa.

A áreas de Terra Preta se mantêm férteis, mesmo se cultivadas por séculos. As populações nativas seguem dando continuidade ao seu uso, manejando o ambiente para sua subsistência. Os indígenas são parte da dinâmica da floresta, e deles depende também sua manutenção e viabilidade. Imagens de satélite deixam isso claro ao mostrar que as áreas de preservação de floresta se encontram dentro ou próximas às terras indígenas. A preservação da floresta amazônica depende da preservação dos povos que vivem nela, bem como de uma intensa fiscalização ambiental e de investimento no estudo de seu patrimônio biológico e cultural.

Tábita Hünemeier

IB /USP

PARA SABER MAIS:

Clement et al. (2015) The domestication of Amazonia before European conquest. Proc Biol Sci. 282(1812):20150813. doi: 10.1098/rspb.2015.0813. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26202998

Mangrich A; Maia C M B F; Novotny E H. (2011) As Terras Pretas de Índios e o sequestro de carbono. Ciência Hoje, 281.

https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/42153/1/biocarvao281.pdf

Teixeira W G (Editor) (2009) As Terras Pretas de Índio da Amazônia: Sua Caracterização e Uso deste Conhecimento na Criação de Novas Áreas. Embrapa Amazônia Ocidental. https://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/handle/doc/684554

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