A inflamação é a primeira reação do sistema imune à presença de uma lesão ou infecção. Caracteriza-se por inchaço local, febre e dor. Curiosamente, a inflamação também é fundamental para o começo e o fim da gravidez, pois facilita a implantação do embrião no útero da mãe e o nascimento do bebê (a inflamação no momento da implantação pode ser uma das causas das náuseas que muitas mulheres sentem no começo da gravidez).
No entanto, os cientistas geralmente pensam na gravidez como um processo anti-inflamatório, pois o sistema imunológico da mãe deve ser suprimido para não tratar o feto como um intruso indesejado. Afinal, ele contém o DNA estranho do pai. Respostas inflamatórias no meio da gestação são um risco para a gravidez e podem resultar em aborto espontâneo. Sendo assim, temos um paradoxo: por que o corpo usa inflamação para regular os processos fisiológicos normais da gravidez quando ela é também uma das maiores ameaças à manutenção da gravidez?
Em pesquisa publicada na revista PNAS por mim e meus colaboradores da Universidade de Yale e do Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development, nós usamos uma perspectiva evolutiva para investigar porque a inflamação é usada para facilitar a implantação em seres humanos.
Uma perspectiva evolutiva sobre o paradoxo
Os primeiros mamíferos colocavam ovos. Posteriormente, a viviparidade (a capacidade de dar a luz a filhotes vivos) evoluiu no ancestral comum de humanos e marsupiais, há mais de 160 milhões de anos. A gravidez em marsupiais tem características em comum tanto com os mamíferos que põem ovos (monotremados, como o ornitorrinco), quanto com mamíferos eutérios, como os humanos (antes chamados de mamíferos placentários). Uma vez que marsupiais têm características intermediárias, nós imaginamos que a gravidez marsupial reflete a biologia reprodutiva dos primeiros mamíferos vivíparos.
Nossa pesquisa usou a gravidez em cuícas (Monodelphis domestica), pequenos marsupiais nativos do Brasil, como um modelo para a condição ancestral. Especificamente, queríamos saber se elas tinham quaisquer indícios de inflamação durante a gravidez. A gravidez em cuícas é curta, durando apenas catorze dias. Durante doze dias, o embrião é separado do tecido materno pela casca de ovo. Nos últimos dois dias, uma placenta une o embrião ao útero. Para sair do ovo, o embrião produz enzimas digestivas que dissolvem a casca de dentro para fora. Mas, mesmo depois de a casca desaparecer, o embrião continua secretando enzimas, causando danos ao revestimento do útero.
Nós observamos que a degradação da casca do ovo e a formação de uma placenta coincidem com uma reação inflamatória massiva da mãe devida à presença do feto.

Um novo uso para a inflamação
A inflamação causada pela relação materno-fetal em cuícas fornece uma pista sobre o porquê de a inflamação ser usada durante a implantação do embrião em mamíferos eutérios, como nós. O processo inflamatório foi reaproveitado como uma maneira de a mãe e o feto se comunicarem. A inflamação é uma das primeiras mudanças que ocorrem após fixação do embrião na parede do útero das fêmeas. Esta inflamação sinaliza para o resto do útero se preparar para a gravidez.
Ao invés de evoluir uma forma totalmente nova de dizer ao útero para se preparar para a gravidez prolongada, a evolução transformou a resposta inflamatória em um modo de comunicação. A inflamação se tornou uma maneira de a mãe detectar a presença do embrião, dando então suporte à implantação e tornando possível o estabelecimento da gravidez. Uma vez que o embrião esteja implantado, a inflamação é controlada. Nós consideramos que a capacidade de controlar a resposta inflamatória durante a gestação foi uma inovação chave para que uma gravidez prolongada pudesse evoluir em mamíferos eutérios.
Nossos resultados explicam o paradoxo de por que a inflamação, tão perigosa durante a maior parte da gravidez, é um componente normal do início da gravidez. A inflamação não é simplesmente uma resposta à lesão – ela se tornou um método de comunicação. Este é um fenômeno comum durante a evolução: a reutilização de um componente ou processo para novas funções. François Jacob certa vez escreveu: a evolução constrói remendando, não projetando.
Oliver Griffith (Yale University, EUA)
Para saber mais:
Gould, S. J., & Vrba, E. S. (1982). Exaptation; a missing term in the science of form (Vol. 8, pp. 4): Paleontological Soc.
Griffith OW, Chavan AR, Protopapas S, Maziarz J, Romero R, Wagner GP. Embryo implantation evolved from an ancestral inflammatory attachment reaction. Proc Natl Acad Sci U S A. 2017.
Jacob, F. (1977). Evolution and tinkering. Science, 196(4295), 1161-1166.
Mor, G., Cardenas, I., Abrahams, V., & Guller, S. (2011). Inflammation and pregnancy: the role of the immune system at the implantation site. Annals of the New York Academy of Sciences, 1221(1), 80-87. doi: 10.1111/j.1749-6632.2010.05938.x
Foto de abertura: Wikipedia