Antes acostumados a fazer pesquisas em bibliotecas, estudantes passaram a enfrentar, com o advento da internet e a proliferação de conteúdo e ferramentas de buscas online, um grande desafio, avaliar a confiabilidade da informação. Quando fazemos uma pesquisa em uma biblioteca pública, ou de uma escola ou de uma universidade, temos uma certa confiança de que os livros ou revistas ali disponíveis passaram por uma série de critérios de seleção, que se refletem, então, na credibilidade das informações que oferecem. Por exemplo, quando você pega em sua biblioteca uma cópia de Origem das Espécies, de Charles Darwin, você está recebendo uma versão geralmente aceita da obra real. Mas na Internet, ao encontrar uma cópia de Origem das Espécies ou um capítulo ou uma citação da obra, você precisa verificar, entre outras coisas, se a fonte é uma autoridade suficientemente confiável sobre o assunto, de maneira que não tenha distorcido o conteúdo para expor suas próprias convicções pessoais, políticas ou acadêmicas.
Não há dúvida de que, ao fazer uma pesquisa na biblioteca, o estudante terá que tomar decisões sobre o conteúdo do material que encontra. Contudo, julgar a confiabilidade das fontes encontradas na Internet se torna ainda mais crucial, uma vez que não há órgãos reguladores monitorando o grau de confiança do conteúdo disponível. Embora muitas vezes a enorme quantidade de informação disponível na Internet possa parecer como uma biblioteca colossal, ela está mais para um gigante mercado aberto com diversas prateleiras. Em muitas dessas prateleiras obtemos informações preciosas, porém, estas estão cercadas de outras tantas prateleiras com informações distorcidas, enviesadas ou no mínimo duvidosas. Essa vasta quantidade de informação, especialmente ao analisarmos notícias online, exige atenção redobrada na hora de separarmos o joio do trigo.
Familiarizados desde cedo com a informação online, a geração descrita como de nativos digitais, ou a chamada geração Google, é capaz de responder uma mensagem no Whatsapp ao mesmo tempo em que faz um selfie e publica uma foto no Instagram. Entretanto, ao contrário do que se esperaria, estudo recente aponta uma inabilidade enorme por parte dos estudantes em raciocinar sobre a informação que acessam na Internet, o que implica que eles podem ser facilmente enganados.
O estudo em questão foi realizado pelo Stanford History Education Group (SHEG). Os autores trabalharam em conjunto com professores, pesquisadores universitários, bibliotecários e especialistas em comunicação para determinar o tipo de teste adequado à idade dos participantes. Os testes foram aplicados em estudantes do ensino fundamental II, ensino médio e universitários. Ao todo foram aplicados 7.804 testes em escolas de 12 estados diferentes e em 6 universidades nos Estados Unidos.
Todas as questões foram elaboradas com o objetivo de refletir o entendimento mínimo que os estudantes devem possuir ao avaliar uma nova notícia, como, por exemplo, quem escreveu a matéria e se a fonte é confiável. Dito de outra forma, o objetivo foi cobrir a chamada alfabetização em mídia (do inglês, media literacy ), que é a habilidade de pensamento crítico para analisar e julgar a confiabilidade de notícias e informações, diferenciando fatos, opiniões e afirmações nos meios de comunicação que consumimos, criamos e distribuímos. Para isso, as questões foram apresentadas aos estudantes na forma de publicações em websites, Facebook, Twitter, comentários em fóruns, postagens de blogs, fotografias e outras mensagens digitais que costumam influenciar a opinião pública.
Ao aplicar testes com diversas questões a milhares de estudantes, o que se espera é uma variação enorme nas respostas. Isso foi o que de fato aconteceu, segundo os autores, mas independentemente se os estudantes eram do ensino fundamental II, ensino médio ou universitários, houve uma impressionante consistência, de acordo com os autores. Escrevem eles: “de um modo geral, a capacidade de julgar as informações na Internet pode ser resumida em uma palavra: desoladora”. Em todos os casos e em todos os níveis, ficou evidente a falta de preparo por parte dos estudantes.
Em uma das questões apresentadas aos estudantes do ensino fundamental II, foi pedido para explicarem porque não deveriam confiar em um artigo de planejamento financeiro escrito por um banco e patrocinado pelo mesmo. A maioria dos estudantes não citou que o fato de o próprio banco ter escrito o artigo e patrocinado o mesmo seria a razão central para que o artigo não fosse confiável.
Noutro caso, os estudantes, também do ensino fundamental II, foram convidados a diferenciar notícias verdadeiras de propagandas. Eles se saíram muito bem ao identificar as propagandas tradicionais que aparecem em forma de banners. Contudo, um percentual muito alto acreditou que a propaganda nativa (a que aparece em meio às notícias, mascaradas e com a identificação “conteúdo patrocinado”) correspondia a uma notícia real.
Em outra questão, estudantes do ensino médio foram convidados a avaliar a credibilidade de um site. Os pesquisadores descobriram que a qualidade da apresentação da página, links para jornais respeitados e uma caixa com uma apresentação “Sobre os Autores” tiveram a capacidade de influenciar os estudantes, que acreditaram no conteúdo do site sem se questionarem.
Aos estudantes universitários, uma das questões gostaria de saber o quanto eles estavam familiarizados com uma convenção social adotada e validada pelas ferramentas e redes sociais, a colocação de um marcador (normalmente verde ou azul) indicando que a conta foi verificada e é legítima. A questão apresentada mostrava duas postagens do Facebook com notícias da Fox News. Uma das postagens havia sido compartilhada por uma conta verificada e validada como sendo realmente da Fox News e a outra, por uma conta falsa idêntica à da Fox News, porém sem validação. Um quarto dos estudantes reconheceu e explicou a relevância do marcador de legitimidade. Contudo, mais de 30 por cento argumentou que o post da conta falsa era mais confiável porque apresentava elementos gráficos importantes.
O resultado dessa pesquisa é um convite a professores e educadores para avaliarem as habilidades de seus próprios estudantes e desenvolverem mecanismos para ajudar esses jovens a tornarem-se melhores consumidores da informação online.
Nunca na história tivemos tanta informação ao alcance dos dedos. Essa possibilidade poderá nos tornar mais bem informados e inteligentes, mas também mais ignorantes, tudo dependerá de como abordamos o problema e qual a nossa resposta educacional a ele.
Fabiano Vieira
PARA SABER MAIS
Gasser, U. et al. (2012). Youth and Digital Media: From Credibility to Information Quality. Berkman Center for Internet and Society, Harvard University.
Hargittai E. et al. (2010). Trust Online: Young Adults’ Evaluation of Web Content. International Journal of Communication, 2010, Vol. 4, 468-494.
Metzger, M. J,; Flanagin, A. J. (Eds) (2008). Digital Media, Youth, and Credibility. Cambridge, MA: The MIT Press.
Wineburg, S. et al (2016). Cornerstone of Civic Online Reasoning. Stanford History Education.
Foto de Capa: Image via Flickr by USACE Europe District
Republicou isso em O LADO ESCURO DA LUA.
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Parabéns pelo texto Bio. Importante reflexão!
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Obrigado Carla, o pessoal de Stanford fez um ótimo trabalho de pesquisa.
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Há 3 anos um conceito em uma apostila de Ciências distribuída pela Secretaria de Educação da Cidade do Rio de Janeiro estava total e absurdamente errada. Ao procurar na internet de onde o autor poderia ter tirado tal coisa, achei logo nos primeiros sites indicados pelo Google. Os seja, o autor sequer procurou saber se aquela explicação era verdadeira. Pobres crianças!
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Oi Prof. Zezinho,
Com certeza se a Internet é fonte de conhecimento, é tb fonte de absurdos e verificar as informações e os conhecimentos que veiculamos é mais do que uma necessidade, é uma responsabilidade quando estamos buscando se comunicar com os outros sobre conhecimento científico (aliás, sobre qq conhecimento né?)
Abs
Charbel
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