Há muito tempo é de senso comum que o plástico é um grande problema para o meio ambiente. O microplástico vem ganhando cada vez mais atenção, principalmente no ambiente marinho. Embora pouco se saiba sobre o efeito do microplástico na saúde humana, recentemente um estudo mostrou que foram encontrados diferentes tipos de microplástico na corrente sanguínea. Se está interessado em saber um pouco mais sobre este assunto, seja bem-vindo, neste post falaremos a seu respeito.

Já não é a primeira vez que idealizo escrever sobre um tema aqui no Darwinianas e mudo de ideia em cima da hora. Estava bolando um texto sobre os efeitos da Covid-19 na saúde mental, incluindo a perda de memória. Já tinha arrumado uma estrutura legal para o texto, pensado em relações com aspectos ecológicos, epidemiológicos e sociais… e eis que me deparo com uma matéria do The Guardian sobre a descoberta de microplásticos na corrente sanguínea de seres humanos. Mudança total de planos…
Vamos compreender um pouco mais sobre esse tema, que tem sido cada vez mais frequente em conversas e que está muito longe de ser divulgado no nível que merece. É importante avaliarmos o que podemos fazer, como podemos buscar soluções para um problema planetário tão amplo e desafiador. No entanto, para entendermos o tamanho do problema com o qual já estamos lidando, precisamos compreender um pouco melhor o que são os microplásticos e quais são suas origens. Assim, ficará mais claro o impacto desta descoberta.
A produção de plástico vem crescendo exponencialmente. Atualmente, são produzidas 400 milhões de toneladas anualmente, das quais apenas 12% são incineradas e 9% são recicladas, de acordo com relatório do Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP, sigla em inglês). O restante é descartado em aterros ou simplesmente lançado no ambiente, incluindo o oceano. Com isso, é esperado que o fluxo de plástico para os ambientes aquáticos triplique, passando de 11 milhões de toneladas em 2016 para 29 milhões de toneladas em 2040. É muita coisa! Todo plástico produzido sofre algum tipo de desgaste, seja durante o uso ou quando descartados no ambiente. É justamente a partir deste desgaste que fragmentos chamados de microplásticos, menores do que 5 mm de comprimento, são liberados e causam a poluição ambiental. As fontes de entrada dos microplásticos nos ambientes são muitas, incluindo cosméticos, roupas, embalagem diversas e processos industriais. O microplástico é classificado como primário, quando entra no ambiente já fragmentado, como é o caso de microfibras de roupas, por exemplo, ou como secundário, quando é fragmentado a partir de partículas maiores no ambiente, como exposto acima. Independentemente da origem e da classificação, sabe-se há muito tempo que o microplástico é persistente no ambiente em níveis altíssimos, particularmente em ambientes aquáticos, pois sua degradação total é muito lenta, podendo levar de centenas a milhares de anos.
Só para termos uma ideia, 35% do microplástico de todo o oceano tem como origem a erosão de poliéster, acrílico ou nylon de roupas. Imagina isso! Podemos refletir um pouco sobre como nos vestimos e qual é o impacto dessas nossas escolhas no ambiente, certo? É simples? Não, claro que não! Sem dúvida, é muito desafiador deixar de usar roupas leves, como camisas UV ou shorts para corrida, e passarmos a usar algodão, não é? Você também pode questionar, “pois é! E onde vão plantar todo esse algodão? Vão terminar de derrubar a Amazônia e o Cerrado?!” Como vocês podem ver, a questão é complexa e não é possível “culpar” simplesmente o consumidor, no caso, você e eu. É importante que pensemos de modo integrado e que possamos vislumbrar uma solução sustentável para este problema, que parece só se acumular.
Tudo bem, já entendemos que o problema é generalizado e fruto do nosso próprio modo de vida, mas qual é o problema de fato de esse “plastiquinho” ficar boiando no mar, depositado no solo e flutuando pelo ar, já que mal conseguimos vê-lo? Por ser muito pequeno, o microplástico tem alta probabilidade de ser ingerido por animais, podendo se acumular em seus tecidos, como ocorre com esponjas, corais, camarões, peixes e até pequenos organismos que vivem no solo. Como outros tipos de poluição, os microplásticos se acumulam na cadeia alimentar, ou seja, um animal que come outro que esteja contaminado também ficará contaminado, estando sujeito a sofrer com seus efeitos tóxicos, que causam, por exemplo, a morte de células. Quando colocamos isso em perspectiva, fica mais clara a importância de procurarmos entender os impactos do microplástico na nossa própria saúde, a curtíssimo prazo.
Voltando ao estudo divulgado pelo The Guardian, os pesquisadores avaliaram a presença de cinco tipos de plástico no sangue de doadores voluntários. Setenta e sete por cento dos pacientes apresentaram microplástico no sangue, sendo que alguns pacientes apresentaram até três tipos de plástico. PET, plástico usado para fabricação de garrafas de água mineral ou refrigerante, por exemplo, foi o tipo de plástico mais prevalente nas amostras. A descoberta de microplásticos em seres humanos não é novidade. Eles já foram encontrados em fezes de adultos e crianças e em praticamente em todos os tecidos humanos estudados, incluindo cérebro e trato gastro-intestinal,. Contudo, eles nunca tinham sido encontrados na corrente sanguínea. Ainda não sabemos ao certo as possíveis consequências para a saúde humana, mas certamente devemos acender um sinal de alerta. Um estudo mostrou que microplástico de PVC (plocloreto de vinila) é mais tóxico para células (linfócitos) de humanos do que de peixes. Alguns efeitos já relatados do microplástico são: deformação de células, morte celular e reações alérgicas, inflamação, distúrbios na microbiota intestinal, desbalanço imunológico entre mãe e feto, causando toxicidade reprodutiva ou danos em neurônios no cérebro.
Já estamos habitando um planeta onde podemos encontrar plástico desde as profundezas do oceano até o cume do Monte Everest, a mais de 8 mil metros de altitude! É estimado que um ser humano consuma em média mais de 50 mil partículas de plástico por ano e, se considerarmos o que é inalado, muito mais. Com tudo isso, e com a projeção de a produção ser o dobro da atual em 2040, torna-se imperativo que o máximo de esforços sejam feitos para que possamos reduzir esse impacto, bem como para que possamos de fato conhecer profundamente o tamanho do problema, o qual ainda não conhecemos suficientemente.
Ao passo em que reconhecemos que o acúmulo de plásticos no ambiente, e agora no corpo humano, é crescente, existem diversas propostas para mitigar o problema ou remediá-lo. Estas propostas incluem filtração dos sistemas de coleta de água, sistemas de coleta automatizada no oceano, reforço na educação e uso consciente de plástico e reciclagem, que constituem algumas das frentes para a possível resolução do problema. Além disso, diversos países vêm tentando reduzir a produção e o consumo de plásticos descartáveis através de leis, como é o caso da China. Há eventos onde a redução da produção e descarte de plástico é praticamente inevitável, precisamos a aprender a lidar com isso. No entanto, situações emergenciais, como a pandemia da Covid-19, podem trazer uma explosão no descarte de produtos plásticos e impor mais um desafio para a redução no consumo de plástico. Um parêntesis: para muitos a pandemia pode parecer uma situação inesperada, mas não é. A comunidade científica previu desde uma década atrás a emergência de uma nova pandemia de origem zoonótica, em virtude das mudanças ambientais causadas pela humanidade. No mesmo ano. foi argumentado que devíamos adaptar estratégias de pesquisa e vigilância para superar desafios relacionados à predição, prevenção e controle de uma futura pandemia. Foi sugerido, além disso, que a futura transmissão direta de coronavírus de morcegos para humanos era um evento provável. A COVID-19 foi a doença que realizou essas predições.
Sem dúvida, um olhar mais consciente sobre o problema que estamos vivendo pode auxiliar a resolvê-lo, mas certamente uma estratégia que seja realmente eficiente necessita incluir o máximo de abordagens possíveis. Por fim, uma abordagem que me parece muito promissora e na qual eu tenho interesse especial é a biodegradação do plástico. Esse processo compreende a ação de microrganismos, como fungos e bactérias decompositores, como é ilustrado no filme “Fungos Fantásticos”. Hoje, possuímos ferramentas e abordagens que nos permitem descobrir organismos que podem ser utilizados para esse propósito, além de termos à disposição técnicas moleculares que nos permitem “engenheirar” organismos já conhecidos para serem ainda mais eficientes.
Pedro Milet Meirelles
Laboratório de Bioinformática e Ecologia Microbiana
Instituto de Biologia da UFBA
Para Saber mais:
Vethaak, A. Dick, and Juliette Legler. “Microplastics and human health.” Science 371.6530 (2021): 672-674.
Danopoulos, Evangelos, et al. “A rapid review and meta-regression analyses of the toxicological impacts of microplastic exposure in human cells.” Journal of Hazardous Materials (2021): 127861.