O Parque Nacional da Serra da Capivara é mundialmente conhecido por seus mais de mil sítios arqueológicos, nos quais têm sido feitos diversos estudos que estão mudando a história da chegada da espécie humana no continente americano, colocando em xeque a teoria da Cultura Clóvis e promovendo uma das disputas científicas mais discutidas nas últimas décadas. Mais recentemente, contudo, esse parque também tem ganhado destaque por outros habitantes, os macacos-prego e suas pedras lascadas.
Em estudo recente publicado na revista Nature, pesquisadores do projeto interdisciplinar Primate Archaeology observaram macacos-prego da espécie Sapajus libidinosus deliberadamente quebrando pedras e não intencionalmente produzindo lascas que apresentam diversas características daquelas produzidas pelos primeiros hominíneos da idade da pedra.
Diferentemente dos hominíneos, que faziam intencionalmente ferramentas de pedra lascada para cortar ou raspar, as lascas produzidas pelos macacos-prego parecem, segundo hipótese dos pesquisadores, ser uma espécie de subproduto do martelamento (pedra com pedra) realizado para extrair minerais ou líquens que servem de nutrientes na dieta desses macacos, como mostra o vídeo abaixo:
Os macacos-prego do parque e outras populações da mesma espécie do cerrado e da caatinga, juntamente com chimpanzés do oeste africano e macacos-caranguejeiros da Tailândia, são os únicos primatas não-humanos conhecidos pelo uso de ferramentas líticas. Por exemplo, outro estudo recente com esses primatas, também do projeto Primate Archaeology, mostrou, através de escavações, que o uso de ferramentas para quebrar castanhas é dominado por esses macacos há mais de 700 anos. Porém, o caso aqui é diferente, a não intencionalidade, o não uso e a semelhança com as ferramentas dos primeiros hominíneos são surpreendentes:
“As lascas são produzidas acidentalmente pelos macacos e (até onde sabemos) eles não usam elas para nada. No entanto, essas lascas são extremamente parecidas com algumas ferramentas Olduvaienses produzidas e usadas por hominídeos pré-históricos, sendo que sempre foram consideradas de fabricação intencional “, explica Tiago Falótico, da Universidade de São Paulo, um dos autores do estudo.
A equipe de pesquisadores examinou 111 pedras fragmentadas coletadas imediatamente após o martelamento depositadas na superfície e em escavações arqueológicas. Eles classificaram os fragmentos em pedras “martelo ativo” completas e quebradas, lascas completas e fragmentadas e “martelos passivos”, como podem ser vistos nos exemplos na Foto 2. Cerca de metade das lascas fragmentadas exibiu fratura conchoidal, a qual é tipicamente associada à produção de ferramentas por hominíneos.

Esses artefatos são indistinguíveis de alguns exemplares arqueológicos de lascas intencionalmente fabricadas pelos primeiros hominíneos, aponta o estudo. “Nenhum outro primata (além dos humanos e macacos-prego) foi descrito produzindo naturalmente esse tipo de lasca, e essa descoberta mostra que mesmo sem intenção esse tipo de material poderia ser produzido”, completa Falótico.
Poderiam essas descobertas abrir novas perspectivas e reescrever a história do uso de ferramentas líticas pelos primeiros hominíneos?
Não é possível, especialmente nos sítios arqueológicos de 3 milhões de anos do Leste da África, considerado o berço dos seres humanos modernos, afirmar que as ferramentas líticas lá encontradas são produto de macacos, dizem os pesquisadores. Contudo, “a produção de ferramentas por outros primatas é um novo fator a ser levado em consideração pelos arqueólogos quando classificam as ferramentas líticas mais simples, pois agora sabemos que nem sempre um material aparentemente complexo precisa de uma mente humana para ser produzido”, afirma Falótico.
As descobertas abrem também a perspectiva de um novo modelo para explicar como teria sido a produção inicial desses tipos de lascas pelos hominíneos durante o período paleolítico, segundo Falótico: “acidental a princípio, seguida de descoberta do uso das lascas e, finalmente, produção proposital e uso”.
Essas descobertas poderão também lançar luz nos debates sobre ferramentas líticas encontradas em sítios pré-históricos na própria região.
Foto 1: Macaco-prego no Parque Nacional da Serra da Capivara. Cortesia: tropikos23.com
Fabiano Vieira
PARA SABER MAIS
M. Haslam et al. Pre-Columbian monkey tools. Current Biology. Published online July 11, 2016
Uma consideração sobre “O que os macacos-prego podem nos dizer sobre a pré-história?”