As plantas e as mudanças climáticas: Como sobreviver em um ambiente em rápida e constante transformação?

Mudanças climáticas alteram a fisiologia de diversas espécies de plantas e influenciam a probabilidade de sobrevivência das espécies ao longo do tempo.

Desde a Revolução Industrial, há aproximadamente 200 anos, as atividades humanas vêm provocando mudanças significativas nos ecossistemas da Terra. Essas mudanças globais podem ser observadas, por exemplo, no aumento das concentrações atmosféricas do gás carbônico (CO2), que passou, nesse período, de 270 a 401 ppm (IPCC 2013). Um dos efeitos mais evidentes da elevação dos níveis de CO2 atmosférico é o aumento da média das temperaturas globais que subiu em 0.85°C, com efeitos mais acentuados nos pólos.

O gás carbônico contribui com o chamado Efeito Estufa, processo que resulta na absorção, por determinados gases presentes na atmosfera, de parte do calor refletido pela superfície terrestre. Dessa forma, o calor fica retido entre a atmosfera e a superfície, ao invés de se dissipar para o espaço, elevando as temperaturas globais. O Efeito Estufa é, em certa medida, fundamental para a manutenção da vida na Terra. Sem ele, o planeta teria temperaturas baixíssimas, impossibilitando a vida tal como conhecemos hoje. No entanto, estima-se que até o final desse século os níveis de CO2 atmosférico chegarão a 700 ppm, resultando em um aumento de até 4°C nas temperaturas globais (IPCC 2013).

Se o aumento da concentração de CO2 atmosférico não for controlado nas próximas décadas, e reduzido substancialmente até 2100, cientistas estimam uma acentuação significativa nas mudanças dos processos geofísicos globais. Por exemplo, o aumento nas taxas de degelo das calotas polares, fenômeno já observado durante as duas últimas décadas, deverá se acentuar, resultando na diminuição da extensão dessas áreas. De maneira similar, as taxas de elevação dos níveis do mar continuarão aumentando, como observado desde meados do século 19. Hoje, os mares apresentam os maiores níveis observados nos dois últimos milênios. É esperada, também, uma alteração nos regimes de precipitação resultando, em escala regional, na intensificação de condições extremas de seca e de chuva (Medvigy & Beaulieu 2012). Além disso, ciclos biogeoquímicos vêm sendo alterados e as concentrações não apenas de COmas também de metano e óxido nítrico já alcançaram os níveis mais altos dos últimos 800.000 anos.

As mudanças observadas atualmente estão provocando profundas modificações na fisiologia de diversas espécies de plantas e nas suas interações com outros organismos, resultando em impactos no funcionamento dos ecossistemas. Essa rápida mudança climática tem impactado comunidades de plantas que se tornam expostas a condições ambientais fora dos seus limites fisiológicos e para além das condições ambientais para as quais estão adaptadas (Shaw & Etterson 2012). Ainda, migração das várias populações de plantas pode não ocorrer na velocidade com que as mudanças climáticas vêm ocorrendo. Assim, muitos cientistas acreditam que a capacidade de produzir respostas evolutivas rápidas dos principais processos fisiológicos vai determinar quais espécies persistirão no futuro (Alberto et al 2013).

Diversos processos fisiológicos podem ser alterados como resultado das mudanças climáticas observadas. Por exemplo, o aumento dos níveis de CO2 atmosférico pode alterar as taxas de fotossíntese, afetando as taxas de crescimento, produtividade e uso de recursos dos organismos (Medeiros & Ward 2013). O aumento da concentração de açúcares na folha (decorrente do aumento das taxas de fotossíntese, resultante dos elevados níveis de CO2 atmosférico) pode influenciar traços fundamentais da história de vida das plantas, como por exemplo, o tempo de floração.

Em um estudo publicado na Plant Physiology em outubro desse ano, Becklin e colaboradores (2016), através de uma extensa revisão da literatura científica, identificaram importantes avanços no nosso entendimento das consequências das mudanças climáticas para a fisiologia e a evolução das plantas. Dentre os principais achados, podemos citar:

– Novas pressões ambientais podem reduzir o sucesso de germinação, a viabilidade e a fecundidade de espécies de plantas a curto prazo, devido a alterações fisiológicas resultantes das mudanças ambientais (Anderson 2015);

– Apesar da plasticidade fenotípica aliviar os efeitos a curto prazo dessas pressões, ela pode não ser suficiente, a longo prazo, para a manutenção das populações fora dos seus limites fisiológicos;

– Muitas espécies de plantas já alteraram a sua distribuição em direção a maiores latitudes ou elevações (Lenoir et al. 2008), devido a mudanças na temperatura e precipitação locais. Os autores acreditam que muitas outras espécies precisarão migrar para evitar a extinção;

– Mudanças climáticas têm afetado as relações mutualísticas de espécies de plantas e outros organismos, como é o caso de seus polinizadores. Por exemplo, elevada concentração de CO2 atmosférico altera a qualidade do néctar produzido, por meio de efeitos diretos na fotossíntese e na produção de açúcar (Watanabe et al. 2014). Ainda, a elevada concentração de CO2 nos últumos 170 anos reduziu a concentração de proteínas do pólen em espécies de Solidago canadensis (Ziska et al. 2016), afetando assim a recompensa oferecida aos polinizadores;

– Sob elevadas concentrações de CO2, e portanto, maiores taxas fotossintéticas, plantas são capazes de suprir suas necessidades e alocar mais recursos para os simbiontes micorrízicos, usualmente resultando em elevado crescimento fúngico (Compant et al 2010). No entanto, em condições ambientais que limitam a fotossíntese, como em secas, por exemplo, esse benefício é reduzido, podendo provocar depressão nas taxas de crescimento do hospedeiro (Johnson et al. 2015).

– Por meio de alterações fisiológicas, mudanças climáticas podem, ainda, modificar a produção de metabólitos secundários, utilizados por muitas plantas como defesa contra herbivoria, ficando mais susceptíveis a ataques (Ramakrishna & Ravishankar 2011).

Os processos implicados na persistência de espécies através do tempo, frente a mudanças climáticas pode ser observado na Figura 2. Alterações nas condições abióticas afetam direta e indiretamente a sobrevivência das espécies por meio de alterações fisiológicas (direta) ou por modificações nas interações bióticas dos organismos (indireta). Esses efeitos são mediados pela possibilidade de modificação de características fisiológicas e/ou morfológicas de cada organismo (plasticidade fenotípica), pelas taxas de movimentação das populações no espaço (migração), e pela velocidade com que as populações se modificam no tempo (evolução). Em última instância, a integração desses fenômenos vai determinar a probabilidade de persistência de uma população no tempo frente a mudanças no ambiente.

Figura 2 – Alterações nas condições abióticas afetam direta e indiretamente a probabilidade de sobrevivência de uma espécie (Fonte: Modificado de Becklin et al. 2016).
Figura 2 – Alterações nas condições abióticas afetam direta e indiretamente a probabilidade de sobrevivência de uma espécie (Fonte: Modificado de Becklin et al. 2016).

Apesar dos avanços na nossa compreensão dos impactos das mudanças climáticas na fisiologia e ecologia de muitas espécies de plantas, ainda existe muito por saber, como apontam Becklin e colaboradores (2016). Perguntas como: (1) Qual a influência relativa dos efeitos diretos das mudanças climáticas versus os efeitos indiretos via alteração nas interações bióticas na evolução da fisiologia das espécies?; (2) De que maneira as restrições fisiológicas vão interagir com a história evolutiva e com a interação entre as espécies para mediar as respostas das plantas a mudanças futuras a múltiplos fatores ambientais?; (3) Até que ponto podemos prever a sobrevivência de espécies de plantas a mudanças climáticas rápidas?; dentre muitas outras, ainda precisam de respostas.

Ana Maria Almeida

(Universidade Federal da Bahia  / California State University East Bay)

Figura 1:  Mudança observada na temperatura da superfície da Terra entre 1901-2012 (Fonte: IPCC 2013).

Para saber mais:

INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Riscos das mudanças climáticas no Brasil: Análise Conjunta Brasil-Reino Unido sobre os impactos das mudanças climáticas e do desmatamento na Amazônia. 2011.

NOAA Global Analysis – Annual 2015. National Oceanic and Atmospheric Administration. National Centers for Environemental Information

IPCC 2014 Synthesis Report. Intergovernmental Panel on Climate Change: Climate Change 2014

Climate change facts: answers to common questions. EPA: US Environmental Protection Agency

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