O segredo das ervilhas: as plantas também aprendem!

Pesquisadores estudam condicionamento clássico em plantas e resultados apontam que as plantas são capazes de aprender por associação.

As plantas tiveram e seguem tendo um papel fundamental no estabelecimento e na manutenção da vida na Terra.  Durante a evolução do nosso planeta, os primeiros seres fotossintetizantes, chamados de cianobactérias, que surgiram há aproximadamente 2.5 bilhões de anos,  e modificaram definitivamente o ambiente terrestre devido à liberação de oxigênio livre (O2) na atmosfera, evento que ficou conhecido como o Grande Evento de Oxigenação. Esse evento teve consequências importantes para a vida na Terra, dentre as quais a formação da camada de ozônio (O3), assim como a morte de vários organismos que não eram capazes de metabolizar o oxigênio (através da respiração celular), conhecidos como anaeróbicos obrigatórios.  A linhagem que deu origem às plantas evoluiu a partir de eucariotos fotossintetizantes, resultantes da endossimbiose  dessas células com cianobactérias de vida livre. Para saber mais sobre a evolução de células eucarióticas veja o post do Darwinianas aqui. Além de servirem como uma das principais fontes da nossa alimentação, as plantas também fornecem diversos outros produtos de origem vegetal e têm efeito considerável no clima e um papel fundamental em todos os ecossistemas.

Apesar da grande importância das plantas nas nossas vidas, em geral acabamos atraídos pelo mundo animal, mais próximo da nossa própria natureza, e dele conhecemos profundamente os mais variados aspectos. Comparativamente, sabemos muito menos em relação às plantas, principalmente em termos de comportamento. Entretanto, muitos pesquisadores acreditam que alguns comportamentos das plantas podem ser comparados aos de um animal, só que em câmera lenta, muito lenta. Podemos até pensar que as plantas são capazes de interagir com outros organismos ao seu redor, mas imaginar que as plantas são capazes de aprendizado, mesmo que do tipo mais simples, sempre foi algo impensável.

Uns dos tipos de aprendizado por associação, também chamado de condicionamento clássico, foi primeiro descrito por Ivan Pavlov, um fisiologista russo, na década de 1890. Buscando entender se reflexos inatos podiam ser condicionados, Pavlov investigou se o reflexo de salivação (que é inato) na presença de comida (estímulo incondicionado) poderia ser induzido pela associação da comida a um estímulo neutro, como, por exemplo, uma campainha. O cão era então submetido a sessões de treinamento nas quais, antes da oferta da comida, ouvia o toque de uma campainha. Após o treinamento, Pavlov percebeu que era possível induzir salivação apenas tocando a campainha, mesmo que a comida nunca fosse ofertada. Com isso, Pavlov foi capaz de mostrar que um reflexo inato (salivação na presença de comida) poderia ser condicionado à presença de um outro estímulo (no caso, o toque da campainha) e, além disso, que essa associação poderia ser aprendida por meio de treinamento. Esses experimentos foram instrumentais para o desenvolvimento do que posteriormente ficou conhecido na Psicologia como Behaviorismo.

Seguindo a mesma lógica dos experimentos de Pavlov, Gagliano e colaboradores investigaram se o mesmo tipo de condicionamento poderia ser observado em plantas. Para tanto, os pesquisadores associaram o crescimento em direção à luz, conhecido como fototropismo, à exposição ao vento. A tendência das plantas de crescer em direção a luz é um reflexo inato desses organismos, já amplamente estudado. Se as plantas fossem expostas à luz na presença de um estímulo neutro, como o vento, seriam elas capazes de associar esses dois estímulos?

Para responder a essa pergunta, os cientistas utilizaram o aparato da Figura 2: um tubo de PVC em formato de Y foi colocado sobre plantas jovens de ervilha (Pisum sativum). Algumas plantas foram expostas a vento e luz no mesmo lado do Y, enquanto outras foram expostas a vento e luz em lados opostos do Y. A partir de um certo ponto do crescimento, as plantas precisariam “escolher” de que lado do Y iriam continuar crescendo, e os pesquisadores indagaram se essa “escolha” poderia ser influenciada pelo condicionamento entre os dois estímulos (luz e vento).

Após três dias de sessões de treinamento, as plantas foram testadas para condicionamento clássico, na ausência de luz. O esquema de treinamento montado pelos pesquisadores permitiu que cada planta recebesse luz e vento de ambos os lados do Y em igual proporção e em ordem aleatória durante o treinamento, evitando assim uma tendência de crescimento para quaisquer dos lados do Y. Os pesquisadores então se perguntaram: seriam as plantas capazes de associar a posição relativa do vento com a presença de luz? A resposta que obtiveram na ausência de luz, durante o teste, foi um tanto surpreendente: os pesquisadores observaram que a maioria das plantas cresceu na direção associada pelo vento à presença de luz durante o treinamento, em ambos os casos.

Trocando em miúdos: quando vento e luz foram apresentados do mesmo lado durante o treinamento, 62% das plantas cresceram em direção ao vento durante o teste na ausência de luz. De forma semelhante, 69% das plantas que foram treinadas com vento e luz em lados opostos cresceram na direção oposta ao vento na ausência de luz. Diversos grupos controle foram também avaliados durante o experimento. Em um deles, as plantas foram treinadas apenas na presença de luz (e na ausência de vento), alternadamente apresentada em ambos os lados do Y. Nesse grupo, 100% das plantas cresceram na direção onde a luz foi apresentada pela última vez, seguindo a resposta inata de fototropismo, comum às plantas.

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Figura 1: Desenho experimental utilizado por Gagliano e colaboradores para estudar condicionamento clássico em ervilhas. Um grupo de plantas recebeu vento e luz do mesmo lado do Y, enquanto o outro recebeu luz e vento em lados opostos do Y. As plantas foram testadas na ausência de luz para associação entre a posição relativa entre luz e vento. As plantas de ervilha tiveram que esolher de que lado do Y crescer. A seta verde indica a direção do crescimento que sugere condicionamento clássico em cada caso. (Fonte: Modificado de Gagliano et al. 2016)

Os mesmos pesquisadores perceberam ainda que essa resposta condicionada estava relacionada ao ritmo circadiano das plantas, sendo observada apenas quando as plantas eram testadas durante o dia. Plantas testadas durante a noite não apresentavam condicionamento, levando os pesquisadores a sugerir que os mecanismos envolvidos no condicionamento clássico em plantas, ainda desconhecidos, podem estar relacionados àqueles utilizados pelas plantas para a percepção dos ciclos de dia e noite.

Experimentos semelhantes já sugeriram diferentes maneiras pelas quais as plantas também são capazes de perceber o ambiente ao seu redor e, a partir dessas informações, tomar ‘decisões’. Pensando bem, não é de espantar que as plantas tenham mecanismos que lhes permitem perceber o ambiente e usar essa informação para definir direção de crescimento, momento de floração etc. Se pensarmos que a vasta maioria das plantas está fixa ao seu local de crescimento inicial, podemos imaginar que as poucas decisões que esses organismos podem tomar durante o seu crescimento podem ter grande impacto na sua sobrevivência futura.

Sem dúvida, os processos de percepção ambiental e tomada de decisões em plantas são bem distintos daqueles observados em animais, muitos dos quais apresentam processos cognitivos sofisticados, já bastante estudados. Mas, o estudo apresentado aqui pode ser uma pequena amostra do que ainda temos a conhecer do distante mundo das plantas. É provável que ainda tenhamos muito a aprender sobre essas criaturas tão diferentes de nós e, talvez por isso mesmo, tão fascinantes. Mas, de uma coisa podemos ficar certos: que as plantas aprendem, aprendem!

Ana Maria Rocha de Almeida

(California State University East Bay, Hayward)

 

Para saber mais:

Calvo, P & Friston, K. 2017. Predicting green: really radical (plant) predictive processing. Interface, 14: 20170096.

Crisp, P.A. et al. 2016. Reconsidering plant memory : Intersections between stress recovery, RNA turnover, and epigenetics. Science Advances, 2: e1501340. 

Van Duijn, M. 2017. Phylogenetic origins of biological cognition: convergent patterns in the early evolution of learning. Interface Focus, 7: 20160158.

Figura de abertura – Claude Monet (1887), Les peupliers à Giverny. (Fonte: http://www.sothebys.com/en/auctions/ecatalogue/2015/impressionist-modern-art-evening-sale-l15002/lot.21.html)

3 comentários em “O segredo das ervilhas: as plantas também aprendem!”

  1. Sou um admirador do trabalho desenvolvido neste blog e sempre reservo um tempo para ler as postagens. Esta, em especial, me chamou muito a atenção. Durante meu doutorado realizei um estudo exaustivo sobre o Behaviorismo, mas nunca havia pensado na possibilidade de plantas aprenderem. Foi uma grata novidade a notícia. No entanto, há inadequações teóricas que levam a uma visão ingênua dessa ciência do comportamento. A princípio, os termos referentes aos estímulos não estão adequados no terceiro parágrafo. A comida não uma estímulo incondicionado para a resposta de salivação (em vez de estímulo não condicionado). Em relação à campainha, a princípio, quando associada à comida, ela não é um estímulo condicionado, mas neutro, pois não elicia resposta no organismo. Ela passa a ser um estímulo condicionado somente após o processo de condicionamento. Outra inadequação é dizer que o organismo (no caso, a planta) faz a associação. De acordo com Skinner, o mais preciso seria dizer que o organismo percebe a associação que existe entre os estímulos no ambiente. Por último, dizer que o organismo faz escolhas é um tanto quanto arriscado, pois pode ser entendida como atividade consciente. Enfim, meus apontamentos são apenas no sentido de contribuir para a evolução do trabalho, pois o artigo está bem escrito e foi muito importante e enriquecedor para mim. Grande abraço.

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    1. Uma correção. Onde se lê:
      A comida não uma estímulo incondicionado para a resposta de salivação (em vez de estímulo não condicionado).
      O correto seria:
      A comida é um estímulo incondicionado para a resposta de salivação (em vez de estímulo não condicionado).

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    2. Olá Diego,

      Muito obrigada pelos seus comentários. Suas observações levam a importantes correções terminológicas que nos ajudam a tornar o post mais preciso. Também concordo que a referência a escolhas pode levar a uma inferência da existência de consciência, mas não é esse o caso. Como você bem coloca, me refiro a capacidade de percepção da associação entre os dois estímulos inlfuenciando na resposta da planta em termos de direcionamento do crescimento.

      Fico feliz em saber que você é assíduo leitor do blog! Espero que continue lendo e comentando as postagens, para que possamos tornar os textos cada vez mais informativos e precisos.

      Abraço!

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